Ceilândia, Santa Maria, São Sebastião e Paranoá estão na lista de exclusão de visitas nos períodos que não tenha luz do dia devido a criminalidade. Andar de ônibus em Brasília e em outras cidades do país também não é recomendado. Regras para visitas de cidadãos dos Estados Unidos atrapalham políticas de dinamizar o turismo em Brasília, mas GDF não reage.

Por Chico Sant’Anna

 

O aviso aos cidadãos norte-americanos em trânsito pelo Brasil e, em especial, em Brasília, alertando os locais inseguros para visitar, parece ter caído como uma bomba de efeito moral – aquela que faz um barulhão e deixa todo mundo desnorteado e sem reação – nas hostes do Governo do Distrito Federal. Apesar de estar tentando atrair mais turistas estrangeiros, o Governo do Distrito Federal emudeceu. Ninguém quis comentar o alerta vermelho norte-americano e um grande jogo de empurra-empurra se pôs em campo. Nem mesmo a secretaria de Turismo se posicionou. Estará certa a representação diplomática dos Estados Unidos? Ou estará o GDF com medo de se contrapor?

Com um longo aviso em inglês e um resumo em português, publicados no portal da US Embassy, o governo de Donald Trumpp “desencoraja” seus cidadãos ao uso de ônibus em Brasília e em qualquer outra parte do Brasil. Diz que é perigoso e pode ter assaltos. Alerta também no sentido de não visitarem, mesmo que com a ajuda de guias, o que denominam de “áreas de moradias informais”, “comumente referidas como favelas, vilas, comunidades ou conglomerados”.

O aviso de alerta tem um trecho especialmente dedicado a Brasília. Visitando o Planalto Central, cidadãos estadunidenses são desaconselhados a visitarem quatro cidades do Distrito Federal. Saborear as iguarias regionais da Feira da Ceilândia, como as oferecidas na Barraca da Galega, ou mesmo conferir as rimas do repente na Casa do Cantador, não são passeios recomendados pela representação diplomática dos Estados Unidos. Pois para os diplomatas Ceilândia é uma zona de risco.

Norte-americanos são desaconselhados a usar o transporte público em Brasília ou em qualquer outra cidade do Pais. Para a embaixada dos EUA, correm o risco de serem assaltados ou agredidos. Foto de Chico Sant’Anna

A cidade não está sozinha. Outras três regionais estão na lista vermelha dos yanquees. “Regiões Administrativas de Brasília (comumente conhecidas como “cidades satélites”) de Ceilândia, Santa Maria, São Sebastião e Paranoá durante períodos que não tenha luz do dia devido a criminalidade”. O original em inglês é mais preciso, fala que não é seguro das seis da tarde às seis da manhã.

Primeira a ser procurada, a secretaria de Mobilidade se negou a comentar o desencorajamento ao uso de transporte público na Capital. Alegou tratar-se de um problema de segurança pública, “fora de sua alçada”. A Polícia Militar do Distrito Federal, que opera o Batalhão Turístico no policiamento dos pontos atrativos de Brasília, com “o objetivo de prevenir e reprimir o acontecimento de ilícitos contra visitantes”, também passou a bola, dessa vez para a secretaria de Segurança. Esta se limitou a informar que “ao longo de todo o ano passado foram registrados 13 homicídios por 100 mil habitantes, índice mais baixo no DF, desde 1985” e no que se refere a Crimes Contra o Patrimônio (furtos e assaltos), esses estão sendo “monitorados de forma prioritária pela SSP/DF”, e que também tiveram queda de 12,1%, no mesmo período. Questionada se o alerta da Embaixada seria então excessivo, a resposta foi curta e objetiva. “Não vamos entrar nessa polêmica”.

Dentre as opções de entretenimento na Ceilândia, está o Festival Elemento em Movimento, um dos maiores festivais de música e cultura urbana do DF.

Se os órgãos do GDF ficam mudos, a comunidade reage. Max Maciel, consultor do Rede Urbana de Ações Sócioculturais – Ruas, reage ao dizer que quem perde é o turistas. “Eles vão deixar de conhecer aqui em Brasília cidade que mais propaga a cultura nordestina. Não vão curtir o samba da comunidade, o Festival Elemento em Movimento – um dos maiores festivais de música e cultura urbana do DF – e tudo mais que temos a oferecer. Nós temos muito orgulho de nossa cidade. A maior violência aqui é a ausência do Estado” – diz ele.

Política de turismo

O alerta da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil não é nada encorajador para quem pretende fazer turismo por essas bandas. Pelo contrário, é um tiro certeiro na política de atração estrangeiros. Na realidade, os norte-americanos já vem perdendo para os argentinos a primazia de serem o maior contingente de turistas. Esse alerta só faz piorar a situação. De 2016 para 2017, o volume de turistas no Brasil provenientes dos EUA caiu de 570 mil pessoas, para 457 mil. No mesmo período los hermanos cresceram de 2,3 milhões para 2,6 milhões de argentinos. Estudos indicam, contudo, que o gasto per capita dos norte-americanos quando no Brasil ainda é mais expressivo. Daí a importância de manter o Brasil na lista dos destinos preferenciais. Mas a tarefa não é fácil.

O alerta da representação diplomática traz ainda um Resumo do País, que mais parece um roteiro de filme do tipo thriller policial. O pais estaria mais para quem tem espirito de aventuras do tipo Rambo. Parece até que o viajante se destina a uma zona de guerra no estilo Iraque. Na verdade, uma leitura bastante aterrorizante da realidade nacional, que pode afetar o fluxo de turistas ao Brasil e a Brasília.

 

Publicada originalmente na coluna BRASÍLIA, POR CHICO SANT’ANNA, no semanário Brasília Capital.

“Crimes violentos, como assassinato, assalto à mão armada e roubo de carros, são comuns em áreas urbanas, durante o dia e noite. A atividade de gangues e o crime organizado é generalizada. Assaltos são comuns. Os funcionários do governo dos EUA são desencorajados a usar ônibus públicos municipais em todas as partes do Brasil devido ao risco elevado de assalto e agressão a qualquer hora do dia e principalmente à noite.”

Em outras doze recomendações publicadas no documento, a Embaixada coloca qualquer turista desejoso de visitar o Brasil, se não em pânico, pelo menos em uma dúvida cruel. Confira:

 

“Se você decidir viajar para o Brasil:

  1. Esteja atento ao seu redor.
  2. Não resista fisicamente a nenhuma tentativa de assalto.
  3. Tenha cuidado ao caminhar ou dirigir à noite.
  4. Evite caminhar nas praias após o anoitecer.
  5. Não exiba sinais de riqueza, como usar relógios ou joias caras.
  6. Seja extremamente vigilante ao visitar bancos ou caixas eletrônicos.
  7. Tenha cuidado nos, ou indo para, os principais centros de transporte ou no transporte público, especialmente durante a noite. Os passageiros enfrentam um risco elevado de roubo ou assalto usando o transporte público municipal de ônibus em todo o Brasil.
  8. Tenha cuidado elevado ao caminhar em áreas isoladas.
  9. Registre-se no Programa do Smart Traveler (STEP) para receber alertas e tornar mais fácil sua localização em uma emergência.
  10. Siga o Departamento de Estado no Facebook e Twitter.
  11. Revise os Relatórios de Crime e Segurança no Brasil.
  12. Prepare um plano de contingência para situações de emergência. Revise o checklist do viajante.”

Portão internacional

Brasília, ao lado de Porto Alegre, é o quarto principal portão internacional do país. Por aqui chegam e partem 4% dos voos internacionais. Além de serem poucas as frequências aéreas, a maioria das oito linhas existentes parece ter sido concebida mais para levar brasileiros ao exterior e não para trazer estrangeiros para Brasília. Os dois voos para os Estados Unidos, Orlando e Miami, na Florida, são uma demonstração disso.

As estatísticas da Embratur apontam que em 2016 e 2017 aqui chegaram dos EUA 8.786 e 10.916, respectivamente. Bem menos do que os argentinos; que nos mesmos anos representaram 41.638 e 35.891, respectivamente. Na verdade, desde 2014, ano em que o DF foi uma das sedes da Copa do Mundo, até 2017, o volume de turistas estrangeiros que chegam pelo Aeroporto de Brasília vem caindo. Naquele ano, foram 100.063 passageiros, no ano seguinte, subiu para 107.208, a melhor performance até agora, mas em 2017 já havia caído para 76.747. Em 2016 e 2017, de cada dez estrangeiros que aportavam no Aeroporto JK, cinco eram argentinos. E a presença de sul-americanos deve se ampliar, pois quatro países – Argentina, Chile, Peru e Paraguai – estão em ligação direta, agora. Mas isso não significa desprezar os turistas dos Estados Unidos e a entrada de recursos que eles proporcionam.

Se deseja efetivamente transformar a Capital Federal em um destino que atraia turistas do mundo inteiro, o GDF tem muito ainda a fazer. Tarefas estruturais, organizacionais e, principalmente, uma política de comunicação pró-ativa que não fique refém de comunicados diplomáticos. Essa postura não contribui para que a cidade consolide esse tão forte segmento da economia.