O feminismo não está apenas no nome da cidade. A força motriz de Brasília é a mulher. De cada cem habitantes, 52 são do sexo feminino. O Distrito Federal é a segunda unidade da federação com maior percentual de mulheres na população — perde apenas para a Velhacap, o Rio de Janeiro, onde as mulheres representam 52,31%.

 

Por Chico Sant’Anna, publicado originalmente na Revista MG Brasília

Brasília, Capital da Esperança.

Brasília, Capital da República.

Brasília, capital da moderna arquitetura,

Os rótulos são muitos e variados, mas o que há por de trás deles nessa cidade que tem nome de mulher?

Qual sua identidade?
Qual sua cara, além daquilo que os telejornais da noite revelam?

Prestes a virar uma sessentona, a cidade já abriga mais de 3,013 milhões de pessoas.

São Marias, Josés…, gente que acorda cedo todos os dias, enfrenta mais de uma hora de trânsito para chegar ao trabalho ou aos estudos. Gente que não aparece nos escândalos da Esplanada dos Ministérios.

Falei em Marias e Josés?!  Falei errado.

Segundo o IBGE, desde 2016, as Anas e os Joãos são os nomes preferidos nesse pedacinho do Planalto Central. No acumulado, são 147 mil Anas e 50 mil Joãos. A cidade erguida pela força dos nordestinos, quase não tem mais Raimundos e Severinos. Pedro, Gabriel, e Lucas, todos nomes bíblicos, são na sequência os mais populares.

É bom que se diga que o feminismo não está apenas no nome da cidade. A força motriz de Brasília é a mulher. De cada cem habitantes, 52 são do sexo feminino. O Distrito Federal é a segunda unidade da federação com maior percentual de mulheres na população — perde apenas para o Rio de Janeiro, onde as mulheres representam 52,31%.

Publicado originalmente na Revista MG Gente Brasília – Ano IV Ed. 04 2019

Moradora padrão

Nossa moradora padrão, que vamos chamar de Ana, é jovem, com 30 anos de idade e um padrão de escolarização, em média, maior do que os dos Joãos, Severinos, Pedros e Lucas e todos os demais homens. Ela é ativa nos estudos ou no mercado de trabalho ou nos dois ao mesmo tempo. Até porque, de cada cem pessoas trabalhando na capital federal, 55 são do sexo feminino e 70% das mulheres adultas tem pelo menos o ensino médio concluído. Provavelmente, Ana atua no setor de Serviços, segmento econômico que absorve 72% da força de trabalho candanga. Mas Ana, embora melhor qualificada do que João, Antônio ou Pedro, ganha menos do que ele fazendo os mesmos serviços.

Todo esse estilo de vida, independência econômica, bagagem cultural, leva Ana a priorizar seus projetos pessoais e a adiar a ideia de se casar e ter filhos. É quase certa que nossa Ana ainda não se casou. Ela faz parte de uma grande parcela da população feminina que coloca o matrimônio para depois e, consequentemente, os filhos, também. Em 1970, a média de filhos em Brasília era de 0,8 entre as mulheres de 18 a 24 anos e de 6,37 entre aquelas com mais de 60 anos. Em 2010, caiu para 0,36, na faixa entre 18 e 24 anos, e 3,84 naquelas com mais de 60 anos.

Se, por ventura, Ana chegou a se casar, não é de todo impossível que ela tenha se separado. Muito antes do divórcio existir no marco jurídico brasileiro, Brasília já era considerada capital da separação de casais. Na década de 70, o título oficial era Capital dos Desquitados. Pelos dados mais recentes do IBGE, referentes a 2014, a cidade apresenta uma incidência de 3,74 descasados para cada grupo de mil habitantes com idade superior a 20 anos. No Brasil, a taxa geral de divórcios foi de 2,41‰.

Além de possuir uma elevada taxa de separação judicial, a Capital Federal apresenta um baixo perfil de duração dos matrimônios. Enquanto no Brasil um casamento dura, em média, 15 anos, no Distrito Federal, o tempo médio transcorrido entre as datas do casamento e da sentença/escritura do divórcio é de 13 anos. Nem chegam a comemorar as Bodas de Cristal. E as separações se dão com os cônjuges ainda bastante jovens. Em 2014, o grupo etário masculino que mais frequentemente se divorciou compreendia a faixa etária de 35 e 39 anos, enquanto o feminino estava entre 30 e 34 anos de idade.

Sem recaídas

E o matrimônio para as Anas e Joãos parece ser uma vacina imunizante a novos relacionamentos formais. Nada daquele casa, separa; casa, separa. Parecem preferir uma vida sem compromisso conjugal, ou pelo menos sem compromisso de papel passado (se bem que pela legislação em vigor, depois de cinco anos de convivência a dois, a relação é legalmente reconhecida). Na taxa de recasamentos, Brasília está abaixo da média nacional. Em todo o Brasil, a proporção de recasamentos (quando pelo menos um dos cônjuges tinha o estado civil pregresso como divorciado ou viúvo) era de 23,6%, contra apenas 12,9% do total das uniões formalizadas no DF.

Não pense, contudo, quem vem de fora, que Ana e sua turma está desconectada dos problemas do dia-a-dia. A vida política das Anas é tradicionalmente forte. Diversas são as entidades sindicais importantes que foram ou são comandadas pela força feminina. E na Câmara Federal, das oito cadeiras, cinco são ocupadas por deputadas mulheres: ativas e participantes.

Até porque a vida na Capital da Esperança não é assim da forma como Dom Bosco sonhou, jorrando leite e mel. Como em todo o Brasil, o desemprego é uma chaga que atinge a mais de 320 mil pessoas, sendo que 68 mil delas são mulheres.