O malabarismo, seja num avião verdadeiro ou num aeromodelo, implicaria em atravessar as duas torres abaixo da passarela de interligação do Anexo I. Portanto, entre o solo e a altura máxima de 50 metros e numa travessia, cuja a primeira metade lembra um funil. Só depois do centro é que ele reabre. “Tarefa possível – informa um piloto consultado -, mas apenas para um experiente profissional de acrobacia.

Por Chico Sant’Anna

Três pequenos vídeos que circulam pelas redes sociais mostram um avião caça passando pelo vão das torres do Congresso Nacional. O denominado Anexo I possui 28 andares, 100 metros de altura. Uma das torres pertence à Câmara dos Deputados e a outra ao Senado Federal. A primeira vista, parecem ser manobras do BR F 39 Gripen, comprado pela Força Aérea, na Suécia, ainda no governo de Dilma Roussef. O primeiro exemplar já está em teste no Brasil. As cenas chamam atenção pela suposta ousadia do piloto e pela simbologia da mensagem que poderia estar embutida nos vídeos.

Não há como não associar as imagens do vídeo às cenas do Word Trade Center, em 11 de setembro de 2001.  Além disso, as imagens passaram a circular concomitantemente às declarações do presidente Jair Bolsonaro de que que as Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou ditadura em um País.

Leituras políticas à parte, os vídeos suscitaram uma série de dúvidas.

Seria possível um caça passar por ali?

Trata-se de um aeromodelo?

Ou é tudo montagem?

Saímos em busca das respostas. Inicialmente, registre-se que o espaço aéreo sobre a Praça dos 3 Poderes tem acesso restrito e depende de autorização do Gabinete de Segurança da presidência da República. Qualquer voo naquela área, seja de avião ou aeromodelo, sem autorização é considerado crime.

Lembremos ainda que as torres não tem o formato de um retângulo. Vistas de cima, formam um pentágono, o que dificultaria a acrobacia. As faces internas, com 12,25 metros de empena, são ligeiramente anguladas, estreitando-se ao centro e depois reabrindo. A parte mais estreita é estimada em oito metro de largura. Entre o décimo-quarto e o décimo-sexto andares há um corredor interligando as duas Casas.

O malabarismo, seja num avião verdadeiro ou num aeromodelo, implicaria em atravessar as duas torres abaixo da passarela de interligação do Anexo I. Portanto, entre o solo e a altura máxima de 50 metros e numa travessia, cuja a primeira metade lembra um funil. Só depois do centro é que ele reabre. “Tarefa possível – informa um piloto consultado -, mas apenas para um experiente profissional de acrobacia. A Polícia Legislativa negou que um caça pudesse por ali passar e, se o fizesse, os vidros do Anexo I do Congresso teriam se estilhaçado.

Veja aqui o primeiro vídeo mostrando o mergulho do avião

Aeromodelo

Descartada a hipótese de um caça de verdade, restaram as opções de aeromodelo e montagem.

Pilotos ouvidos por esse blog atestam que seria possível fazer tal manobra com um aeromodelo, mesmo um com maior porte. No mercado, existem réplicas avantajadas de aeronaves famosas. Entretanto, explicam as fontes, o operador do aeromodelo deveria estar nas proximidades do Congresso Nacional para fazer as manobras aéreas com perfeição. Isso o exporia ao risco de prisão, pois um aeromodelo naquela área também estaria sujeito às mesmas restrições de circulação no espaço aéreo. Naquela extremidade da Esplanada dos Ministérios, nem drones de lazer podem ser usados livremente.

Veja aqui o segundo vídeo mostrando o avião deixando o Congresso Nacional

Montagem

Procuramos profissionais de vídeo. João de Castro, da Trupe do Filme, foi categórico: “é montagem”. Ampliamos, então, as investigações nesse sentido e encontramos o portal da Vértice Treinamentos, uma escola de capacitação em informática, computação gráfica e desenho para arquitetos e engenheiros.

No perfil do Instagram, os responsáveis pela empresa informam serem os responsáveis pelo trabalho de computação gráfica e explicam que tudo nasceu a partir das imagens da apresentação F-39 Gripen, Brasília. “Brasília + Avião + Congresso…. A ideia era automática. Só precisava colocar em prática.”

“O caça é pequeno, perfeito para “passar” nos 12m de gap Niemeyeriano (na verdade 8 metros). Estava pronto o tempero que sempre alimento meus vídeos: A impossibilidade física, a dúvida. Fazer o avião era fácil. O desafio agora era a fumaça. Grande, discreta e essencial pro movimento.”

“Esse foi o maior desafio, com a fumaça em primeiro plano e o zoom no caça, o Gripen precisava passar em um local escuro na trajetória. Isso exigiu alguns truques de iluminação. Mas acho que funcionou.“

Parte da produção tem por base imagens reais de Brasília. “Não deu pra eu ir filmar em Brasília, procurei no YouTube e achei o vídeo do colega arpadinho_day_and_night pra fazer a montagem que queria. O resultado tá aí.

Não satisfeito com o primeiro vídeo, dois outros foram feitos. Um tendo a Praça dos Três Poderes como fundo e o segundo a face do Congresso voltada para a Esplanada dos Ministérios. “Como já tinha a cena pronta resolvi criar outras vistas. A ideia é que um respaldaria o outro.” Em ambos os casos, esses dois outros vídeos procuraram passar a ideia de que foram feitos por populares.

“Para isso, pedi um vídeo sensacional de @breno_fortes lá de Bsb pegando a esplanada, como se tivesse capturado, na sorte, o passeio do Gripen. O desafio é o tempo, em que todos os vídeos teriam que ter o mesmo clima nublado. Nessa distância quase não se vê o caça, por isso a fumaça era essencial. Não foi fácil.”

Além de causar surpresa e provocar mensagens de admiração pela qualidade técnica, o vídeo também fez brotar alguns dos piores sentimentos em seguidores do perfil no instagram.

“Só faltou soltar um míssil pra resolver o problema do Brasil, mas isso fica pra outra hora” – disse um. “Esperei a explosão no congresso” disse outro, “Que susto! Pensei que tivesse “detonado” o congresso! Não que isso fosse ruim…”- registrou um terceiro.

Que as agressões às instituições democráticas fiquem só na ficção e computação gráfica. A realidade se transforma no voto de qualidade.