A não execução de obras de mobilidade, como a conclusão da linha do metrô e a implantação do VLT, trouxe prejuízos grandes em termos de qualidade de vida, mobilidade urbana e mesmo geração de emprego em renda para a Capital Federal.

Por Chico Sant’Anna

No acordo imposto por Jair Bolsonaro a José Roberto Arruda (PL) e Ibaneis Rocha (MDB), para que ambos se unissem, Arruda teria condicionado – segundo vídeo que ele mesmo gravou – à retomada de uma série de obras.

Obras que ele próprio deixou pra trás. E ele nem pode alegar o fato da cassação de seu mandato no âmbito da Operação Caixa de Pandora. Eleito em 2006, governou até 16 de março de 2010. Quase que um mandato inteiro. Não realizou as obras porque não o quis. Em várias delas, até recursos federais contava para executá-las.

O ex-governador está certo ao dizer que a não realização dessas – eu diria de algumas dessas – obras parou Brasília no tempo. De fato. A não execução de obras, como a linha do metrô e a implantação do VLT, trouxe prejuízos grandes em termos de qualidade de vida, mobilidade urbana e mesmo geração de emprego em renda para a Capital Federal.

Em janeiro de 2007 – logo no início do mandato – o então presidente Luís Inácio Lula da Silva, lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimentos de R$ 503,9 bilhões até 2010. Dentre as prioridades, transporte. Ao DF foram alocados, a valores de época, cerca de R$ 1,2 bilhão, para fazer chegar o metrô até o Setor O, da Ceilândia; à expansão de Samambaia e até às imediações do HRAN, na Asa Norte. Dessa montante, cerca de R$ R$ 277 milhões destinavam-se a etapa do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), entre o Aeroporto e a Estação Sul do Metrô, no Setor Policial Sul. Bom de marketing, Arruda fez a festa. Colocou em exposição no Setor Comercial Sul um vagão do futuro bonde elétrico que transportaria os brasilienses. A cidade se destacaria num sistema de transporte sustentável, se igualando às grandes cidades europeias.

O tempo foi passando e nada de as obras serem tocadas. Uma das raras iniciadas, foi o viaduto no final da avenida W.3 Sul, que daria a passagem ao VLT, em sua segunda etapa, ligando até o Estádio Mané Garrincha. Para essa ampliação, o governador envolvido no dinheiro do panetone, contava com as boas relações internacionais do presidente Lula e negociou com o governo de Nicolas Sarcozy, um financiamento francês. Também fez gestões com a Corporación Andina de Fomento, uma espécie de BNDES latino-americano, que financiava grandes obras pelo continente.

Tudo ficou só no marketing. Ainda em 2010, a 7ª Vara de Fazenda Pública do TJDF decidiu paralisar as obras do VLT. A licitação foi anulada por suposta fraude no processo que escolheu o consórcio vencedor da disputa. Ficou para trás um grande buraco na saída Sul da W.3, onde seria erguido o viaduto rodoviário da interseção da linha do VLT e a Estrada Parque Polícia Militar. Concluído somente na gestão de Agnelo Queiroz (PT) para que os turistas que viessem ver os jogos da Copa não se deparassem com aquela imensa cratera. Do VLT, hoje, só resta as ruínas metálicas do que seria o pátio de manutenção, próximo ao Jardim Zoológico.

A conclusão do metrô também não foi pra frente. O modelo de licitação pensado pela gestão Arruda, no qual a empresa vencedora para tocar a obra seria também a responsável pela elaboração do projeto técnico, foi considerado irregular. Seria como contratar alguém pra fazer uma casa, sem saber previamente a área dela, a quantidade de quartos ou o tipo de acabamento. Sem projeto técnico, sem dinheiro federal.

E essa pendência atravessou todo o governo arrudista, passou pela gestão tampão de Rogério Rosso (PSD), pela do PT e na gestão de Rodrigo Rollemberg, a Caixa Econômica Federal, responsável por liberar a verba, deu por perdido definitivamente os recursos. Ao logo desses quatro governos, o GDF não realizou os estudos técnicos necessários. Agora, recentemente, o Metrô lançou novo edital para fazer exclusivamente a conclusão da linha até a Expansão de Samambaia. Serão duas novas estações, 3,6 km de novas vias, a um custo estimado de R$ 362,5 milhões

Gama – Santa Maria

Arruda também condicionou seu apoio a Ibaneis à construção da linha do metrô para o Gama e Santa Maria. Essa é mais uma obra que contava com recursos para ser executada e foi substituída por um paliativo: o BRT-Sul, que começou a ser gestado em sua gestão. A ideia de linhas de Bus Rapid Transit, na época de Arruda identificadas por cores: linhas verde, amarela…, começou pela Estrada Parque Taguatinga. Um corredor central de ônibus foi executado em concreto, mas por anos nenhum ônibus com porta para o lado esquerdo foi comprado. Isso só foi resolvido na gestão de Rollemberg. Agnelo preferiu deixar a EPIG de lado e investir na linha pro Gama e Santa Maria – também inacabada até hoje. O projeto feito na gestão Arruda, já estava pronto, e o dinheiro já alocado para a construção da linha do metrô Gama – Rodoferroviária, projetada ainda na gestão de Joaquim Roriz, foi redirecionado para a adaptação da EPIA. Essa, talvez, seja no mundo a única obra de uma rodovia que foi tocada por uma empresa de metrô. A um custo que se aproximou de R$ 1 bilhão (se computadas as adaptações do Balão do Aeroporto e da EPAR), o BRT-Sul não conseguiu acabar com os engarrafamentos que começam cada vez mais cedo.

Todas essas obras eram importantes por sua capacidade estruturante. A decadência da W.3 Sul não seria a que é hoje, se por lá já estivesse trafegando há mais de uma década o VLT. O mesmo pode se falar dos engarrafamentos na EPIA e na EPTG.

Como solução, Arruda quer retomar a via Interbairros, ligando Samambaia ao Setor Policial Sul e criar a Saída Norte 2 – eu chamaria de Nordeste – com duas bilionárias pontes sobre a parte Norte do Lago Paranoá. Ele quer também uma nova linha de metrô para Sobradinho e Planaltina.

Esses arroubos de metas demonstram a total falta de planejamento. As duas propostas rodoviaristas são projetos antigos, de mais de uma década. A tecnologia já foi superada. A realidade ambiental e a redução do uso de combustíveis fósseis exigem novas propostas. Se pretendem uma linha de metrô rumo a Planaltina, não há motivos para se construir a Saída Norte 2, ainda mais se a Saída Norte 1 ainda não foi concluída. As ampliações da EPIA e da EPIG demonstraram que a opção de mais faixas de rolamento não soluciona o trânsito. Em menos de oito anos, a EPIA voltou a engarrafar. A retomada da Interbairros, que Arruda também colocou dentre suas exigências, será apenas mais um autoestrada – ladeada de dezenas de espigões demandados pela indústria imobiliária – a jogar um volume imensurável de carros no Plano Piloto. Logo, logo, o engarrafamento será nas vias internas da Asa Sul e Norte.

Brasília urge por mais transporte sobre trilhos. Já há estudos feitos por empresa chinesa sobre o aeromóvel rumo a Sobradinho e Planaltina. Tecnologia já em uso na Bahia que vence fácil e mais economicamente os desníveis de relevo. Trilho também deve ser a opção para o trajeto da Interbairros. Um itinerário bem pensado atenderia inclusive aos moradores do Riacho Fundo e Núcleo Bandeirante, sem devastar o Parque do Guará. Mas tudo deve ser feito sem o olho grande do superfaturamento e dos acordos que podem gerar novos panetones.