O Distrito Federal, com seus 3,2 milhões de habitantes e quase dois milhões de veículos, precisa com urgência de um sistema de transporte COLETIVO, com qualidade, conforto e pontualidade. E para isso, é necessário investir em modais que transporte uma maior quantidade de passageiros: metrô, VLT, e corredores expressos de ônibus.

Por Chico Sant’Anna

Como em todas as eleições, o debate da rede Bandeirantes de TV deu a partida ao processo eleitoral. Nem todos os candidatos ao GDF estavam no palco, pois a lei obriga convidar, apenas, quem tem representação no Congresso. Assim, candidatos de partidos como o PCO, PSTU, PCB e Democratas Cristão não apresentaram suas ideias. O PMN ainda não registrou o seu. Grosso modo, o debate foi superficial, não mergulhou em propostas e projetos. Dentre um tiroteio mirando sempre Ibaneis Rocha (MDB), o único tema que veio com um pouco mais de detalhamento – mas não muito – foi a mobilidade urbana no Distrito Federal. E o que veio a público é desalentador.

Primeiro a falar em mobilidade, foi Rafael Parente (PSB), mas não deve ter conversado antes com Marcelo Dourado, ex-presidente da Cia do Metrô, na gestão pessebista de Rodrigo Rollemberg. Parente, como quer ser chamado eleitoralmente, frisou duas vezes ao longo do debate a vontade de reintroduzir o transporte em vans. O brasiliense guarda essa triste lembrança. Transporte precário, sucateado, como motoristas despreparados apostando corrida pelas ruas de Brasília. Pegavam passageiro em qualquer lugar e deixavam em qualquer lugar. A quantidade de acidentes era infinita.

Se existe um modelo de transporte ineficiente no mundo, esses são as vans. Só perdem – se é que perdem – para o tuk-tuk. Vans são improdutivas. Transportam no máximos uns 20 passageiros, quando muito. Não contribuem para o conjunto do sistema, descapitalizando-o e tornando a passagem do metrô e dos ônibus convencionais mais caras. No Rio de Janeiro, o transporte de van foi sequestrado pelo mundo do crime e hoje serve até pra lavagem de dinheiro.

O Distrito Federal, com seus 3,2 milhões de habitantes e quase dois milhões de veículos, precisa com urgência de um sistema de transporte COLETIVO, com qualidade, conforto e pontualidade. E para isso, é necessário investir em modais que transporte uma maior quantidade de passageiros: metrô, VLT, e corredores expressos de ônibus.

No sertão cearense, 60 km da extinta RFFSA foram transformados no VLT do Cariri. Mesmo com a bitola mais estreita.

Trem regional

Não será com van, por exemplo, que iremos solucionar o transporte de milhões de pessoas que vêm do Entorno trabalhar e estudar no DF. No debate ninguém teve coragem de falar sobre o Trem Regional para Luziânia, pois esse já virou chacota, uma vez que há vinte anos candidatos prometem em todas as eleições em implantá-lo e depois esquecem. Alegam problema de bitola, de itinerário, declividade, etc. A verdade é que há anos, no Ceará, as antigas ferrovias da RFFSA – com bitola estreita e tudo – transportam passageiros na cidade de Sobral, onde foram transformadas em duas linhas urbanas de metrô de superfície, e entre as cidades do Crato e Juazeiro. Em uma distância de 60 km, equivalente à distância Luziânia – Plano Piloto, o VLT do Cariri cobra apenas inacreditáveis R$ 1,50, de passagem.

Em diálogo com esse redator nas redes sociais, Parente alegou que as vãs serão diferentes: elétricas, chamadas por aplicativo igual a Uber e destinadas ao último pedaço da viagem dos passageiros – que os técnicos chamam de última milha. De fato, a carência de um transporte público que chegue até a residência ou destino do passageiro é uma realidade no DF. Em alguns pontos, a bicicleta de aluguel foi disponibilizada. Mas nem todos podem pedalar e elas não estão em todos os lugares. Entretanto, não adianta focar a última milha, se todo o restante do circuito está capenga. Urge a conclusão das duas linhas atuais do metrô e a implantação de novas linhas, além do VLT. Além disso, retomando o exemplo do Rio, aos poucos as vans deixaram de fazer a última milha e hoje operam longas distâncias, como do centro da cidade à Barra da Tijuca, passando por Copacabana.

Assim como Joaquim Roriz ganhou popularidade legalizando o transporte em vans no DF, a proposta extemporânea de Rafael Parente parece ser apenas um anzol eleitoreiro para chamar a atenção de motoristas autônomos desempregados.

Quando o sol nasce na BR-40, os engarrafamentos rumo ao Plano PIloto já despertaram há muito tempo. Ônibus não possuem a mesma capacidade de transporte de trens, metrôs e VLTs. Foto: Chico Sant’Anna

Gama – Santa Maria

Não ouvi nenhum candidato falar em trocar por transporte sobre trilhos os projetos atuais de Ibaneis Rocha de criar a Interbairros – entre Samambaia e o Plano Piloto – e a construção da nova Saída Norte. Já há tecnologia possível, inclusive, para suplantar o relevo ingrime da saída Norte, rumo a Sobradinho e Planaltina.

Quem falou em novas linhas de metrô foi Leila Barros – craque no vôlei, mas em mobilidade ainda está rateando. Leila defendeu no debate uma linha do entre Gama e Santa Maria. Como assim? Uma linha solta, desconectada do restante do sistema metroviário, sem conexão com o Plano Piloto para onde se destinam 70% dos passageiros diários?  Sabemos que Gama e Santa Maria formam um colégio eleitoral importante, mas a candidata precisa estar melhor assessorada antes de lançar propostas desta natureza.

Na última gestão do governo Joaquim Roriz havia um projeto de expansão do metrô que previa duas linhas saindo do Gama. Uma pra Rodoferroviária e outra para Ceilândia. A Gama – Rodoferroviária, que contava inclusive com financiamento já liberado pelo governo federal, foi substituída nas administrações de José Roberto Arruda, Rogério Rosso e Agnelo Queiroz pelo BRT-Sul. Como previmos há mais de oito anos, o BRT-Sul não seria e não foi capaz de fazer com que os moradores deixassem seus carros em casa. Só o usa quem não tem outra alternativa.

A proposta da linha Ceilândia – Gama era uma interconexão transversal da parte Sul-Sudoeste do Distrito Federal. O passageiro poderia sair do Setor 0, da Ceilândia e chegar ao Gama, sem ter que ir ao Plano Piloto. Isso poderia suscitar ainda um desenvolvimento econômico que não fosse Plano Piloto centrista. Se essa linha já estivesse em funcionamento, estudar no Campus da UnB do Gama não seria uma odisseia para quem mora na Ceilândia, e vice-versa.

Subsídios

A candidata do Psol, Keka Bagno, questionou os subsídios bilionários que as empresas de ônibus têm recebido do GDF, sem fornecer em contrapartida um serviço de qualidade, e a omissão de esse em realizar nova licitação, tarefa determinada pela Justiça, que julgou a licitação realizada no governo de Agnelo como irregular.

De fato, com menos de um terço do que repassou às empresas de ônibus, Ibaneis já poderia ter feito o metrô chegar até a Expansão de Samambaia e ao Setor O. Essa última poderia se transformar num alivio para quem vem de Águas Lindas – GO e mesmo de Brazlândia. A gestão Ibaneis, contudo, privilegiou o rodoviarismo.

O debate sobre mobilidade foi sofrível, ao ponto de Leila Barros recomendar, num bate-bola com Paulo Octávio, que os candidatos andem mais de ônibus. Ótimo conselho, mas não só de ônibus, andem no metrô, peguem um van pirata próximo ao Park Shopping, enfrentem um engarrafamento às quatro da manhã vindo de Valparaiso ou Cidade Ocidental. Os candidatos devem vivenciar aquilo que seus eleitores experimentam cotidianamente. Botar o pé no barro, pegar o ônibus de madrugada em parada sem iluminação e a mercê dos ladrões.

Esse debate foi a primeira parada. Vamos ver como o trem vai andar nos próximos embates.