Em xeque temas como expansão urbana, crise hídrica, mobilidade, preservação ambiental. O ano de 2020 promete ser mais um daqueles do déjà vu, em que o brasiliense vai ter que se mobilizar para coibir a mão e os olhos gordos, em especial, da especulação imobiliária, mas também de muitas outras forças econômicas e políticas.

Por Chico Sant’Anna

Mais um ano que vai e outro que vem e Brasília, que vai completar 60 anos, vai se defrontar com dilemas antigos, sem contar com os modernos, dentre ele um desemprego galopante. Muitos desses problemas dizem diretamente ao futuro dessa cidade, de como ela será conformada para as novas gerações. Dependendo da escolha feita, poderemos acabar ou agudizar as antigas angustias.

Em xeque temas como expansão urbana, crise hídrica, mobilidade, preservação ambiental. O ano de 2020 promete ser mais um daqueles do déjà vu, em que o brasiliense vai ter que se mobilizar para coibir a mão e os olhos gordos, em especial, da especulação imobiliária, mas também de muitas outras forças econômicas e políticas.

Vejam só o cenário que nos espera:

Informações preliminares aponta que projeto de PPCUB de Ibaneis deve resgatar pelo menos duas propostas polêmicas da gestão Agnelo Queiroz: a ocupação da quadra 901 Norte e a criação de um novo bairro (em rosa no mapa) nas proximidades do Parque Nacional de Brasília.

PPCUB: O governo do Distrito Federal já anunciou que encaminhará à Câmara Legislativa sua proposta de Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília. Trata-se de um marco legal com o objetivo da preservar a proposta de Lucio Costa. Entretanto, as versões elaboradas pelos governos anteriores, foram mais um jeitinho de inserir no Plano Piloto mudanças que violam o pensamento de Lucio Costa e, na maioria dos casos, trazendo para poucos exorbitantes ganhos financeiros, sem nenhuma contrapartida para a coletividade.

Na visão de especialistas, a transformação de áreas como o Setor Comercial Sul para residencial pode demandar grandes somas de investimento público, principalmente na rede de esgoto. O Setor não é considerável urbanisticamente amigável para a moradia de famílias e crianças.

Dentre essas mudanças está a permissão de residências nos Setores Comercial e Bancários. A justificativa é de que falta moradia para o brasiliense e que existem cerca de sete mil salas e lojas ociosas nessas duas áreas. Os levantamentos apontam de cinco a sete edifícios inteiros vazios. A ociosidade se deve basicamente à falta de modernização dessas unidades, necessárias para o mundo dos negócios. Coisas do tipo de fibra ótica, escritórios inteligentes, dentre outras adaptações que exigiriam investimentos pesados de seus proprietários. Mas uma simples maquiagem, uma pintura básica, e tcham, tcham: temos ai uma quitinete pronta para morar. Num toque de mágica, ganhariam uma massa de novos potenciais consumidores, sem precisar baixar o preço de seus imóveis e se adaptar às regras da lei da oferta e da procura

O problema maior, apontam especialistas em urbanismo, é que a infraestrutura desses setores não foi pensada para residências. Sete mil imóveis pode abrigar, dependendo do tamanho, até 25 mil pessoas residindo, sem contar a população que lá trabalha ou consome. É a metade de um bairro como o Sudoeste. As residências demandariam o uso do gás de cozinha. Introduzir redes centrais de abastecimento de gás, como ocorre com os prédios novos, seria quase impossível, diante dos custos e da infraestrutura demandados. A solução seria o velho botijão de gás. Teríamos assim milhares de botijões em instalações improvisadas nesses prédios, que em muitos casos não possuem saídas de incêndio, muito menos sistemas de sprinklers para apagar o fogo.

A rede de esgoto, é outro problema. Ela está subdimensionada para o esgoto residencial que, além de captar dejetos 24 horas por dia, sete dias por semana, tem volume e consistência diferentes daquele que atende basicamente a escritórios. A quem ficaria a responsabilidade de bancar a reforma na rede de esgoto? Ao contribuinte, é claro. E ai ganha a especulação imobiliária, que desova seus imóveis ociosos a baixo custo. A topografia do local é outro risco. Existem diferenças de nível superior a 4 metros de altura entre as ruas principais e as de serviço. Colocar-se-ia em risco as famílias, em especial às crianças, ali residentes. Faltariam, ainda, equipamentos públicos como escolas e creches, não havendo espaço para edificá-las.

Lei do silêncio: Mudanças urbanísticas como essa trazem também impactos na convivência harmônica da sociedade. Com o passar dos anos, os Setores Comercial e Bancário passaram a abrigar festas e espetáculos mais ruidosos, evitando, assim, afetar o sossego do cidadão que não curte baladas do porte. Levando residências para esses locais, seriam os artistas e produtores culturais mais uma vez exilados? Mais uma paulada na Cultura? Para onde iriam? “A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte”, já sentenciavam os Titãs.

No início de 2012, o coletivo Urbanistas por Brasília fez uma simulação de como poderia ficar a área central do Plano Piloto (vide ilustração). Em Vermelho, a implantação do projeto hoteleiro para a Quadra 901 Norte. A área hoje é destinada a colégios, museus, teatros, organismos nacionais e internacionais. O Urbanistas por Brasília constatou que as dimensões imobiliárias propostas traz grande dano urbanístico ao centro da cidade.

Novo PPCUB

O novo PPCUB deve reviver duas grandes polêmicas de adensamento urbano, já vistas na proposta da gestão Agnelo Queiroz: o loteamento de 85.000 m² e mudança de uso na chamada quadra 901 da Asa Norte – área entre a W.5 Norte e o Estádio Mané Garrincha -, e também a criação de um novo núcleo urbano, em dimensões maiores do que o Sudoeste, com imóveis de até 9 andares, 27, metros de altura. Pertencente ao Exército, o local do novo bairro fica nos fundos da estação Rodoferroviária, nas imediações do Parque Nacional de Brasília. A exemplo do que ocorreu com a Marinha, que permutou com uma empreiteira a quadra 500 do Sudoeste – às margens do Eixo Monumental e originalmente destinada a imóveis institucionais, tais como museus e monumentos -, existe uma grande pressão para que o Exército libere a área. O próprio governador Ibaneis Rocha foi ao vice-presidente da República, General Hamilton Mourão, tentar sensibilizá-lo.

Na proposta de Agnelo, a quadra 901, bem como todos os lotes das 900, poderiam abrigar edifícios residenciais. Assim, toda a Avenida W.5 que hoje abriga colégios, igrejas e outras instituições poderia abrigar quadras residenciais. Mas porque abrir essas novas áreas residenciais na W.5, se a W.3 apresenta grande ociosidade de imóveis já residenciais? Especificamente para a 901, também foi proposto a ampliação do Setor Hoteleiro Norte. Ora, se há mercado para novos hotéis, por que não permitir que os prédios ociosos do Setor Comercial tenha esse uso?

No início de 2012, o coletivo Urbanistas por Brasília fez uma simulação de como poderia ficar a área central do Plano Piloto (vide ilustração). Em Vermelho, a implantação do projeto hoteleiro para a Quadra 901 Norte. A área hoje é destinada a colégios, museus, teatros, organismos nacionais e internacionais. O Urbanistas por Brasília constatou que as dimensões imobiliárias propostas traz grande dano urbanístico ao centro da cidade, com a alteração do plano original tombado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. Por isso mesmo, a proposta do GDF para a 901 Norte já foi vetada, em 2011, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas a administração Ibaneis está fazendo nova consulta.

As iniciativas anteriormente citadas – e não são as únicas que serão tratadas pelo novo PPCUB – tem em comum o fator de agravar a concentração de empregos e serviços no Plano Piloto, quando o certo deveria ser a descentralização. Materializando-se deverão ser agravados os problemas de trânsito, falta de estacionamentos, superlotação do transporte público em mão única, além da impermeabilização do solo, cujos efeitos o brasiliense tem sentido na pele em todas as temporadas de chuvas. Inundações e alagamentos já virou uma torturante rotina. As comerciais de entre-quadras tem se transformado em corredeiras perigosas.

O GDF insiste na opção rodoviarista, que tanto agrada às construtoras. Além de prosseguir com a saída norte até Planaltina, já está na ordem do dia a Via Interbairros, pensada há mais de dez anos, para interligar Samambaia e Águas Claras ao Plano Piloto, jogando esse fluxo de veículos na já abarrotada Epia-Sul.

Mobilidade:

Associada aos problemas da redefinição urbanística está a histórica deficiência de mobilidade urbana no DF. Uma é intimamente ligada a outra. Mas o governo insiste na opção rodoviarista, que tanto agrada às construtoras. Além de prosseguir com a saída norte até Planaltina, já está na ordem do dia a Via Interbairros, pensada há mais de dez anos, para interligar Samambaia e Águas Claras ao Plano Piloto, jogando esse fluxo de veículos na já abarrotada Epia-Sul. Ademais, a Interbairros ou Transbrasiliana já nasce engarrafada no seu projeto, pois além dos moradores procedentes de Samambaia e Águas Claras, o GDF tenciona transformar esse corredor em um grande negócio imobiliário, com empreendimentos residenciais e comerciais às margens da via. Ou seja, aumentará mais o fluxo de pessoas para o Plano Piloto. Melhor seria transformar a via em uma nova linha de metrô ou mesmo de VLT. A ampliação das vias, como a ocorrida na EPTG e na EPIA, se revelaram soluções de curto benefício. Basta olhar para esses dois eixos e constatar que novas estradas ou vias mais largas, não resolvem o problema de mobilidade.

A Interbairros ou Transbrasiliana já nasce engarrafada no seu projeto, pois além dos moradores procedentes de Samambaia e Águas Claras, o GDF tenciona transformar esse corredor em um grande negócio imobiliário, com empreendimentos residenciais e comerciais às margens da via. Ou seja, aumentará mais o fluxo de pessoas para o Plano Piloto.

A Frota de carros do DF, da ordem de 1,8 milhão de veículos, cresce a razão de 70 mil veículos novos a cada ano. Isso, sem contar os que são provenientes do Entorno. A solução está no transporte coletivo de massa, com qualidade e conforto, em especial sobre trilhos. Há mais de 10 anos, contudo, o brasiliense vê o GDF pouco fazer nesse sentido, apenas promessas de Trem Regional para o Entorno e de ampliação das linhas do metrô – que por sinal desperdiçaram num passado bem recente os financiamentos federais disponibilizados.

O metrô parou no tempo. Nos últimos dez anos não ganhou nenhum centímetro de novas linhas e está superado tecnologicamente. O governo aposta na privatização para solucionar os problemas de capilaridade, atualização tecnológica e também implantar o VLT. Entretanto, o DF corre o risco de ter metrô e VLT nas mãos das empresas Pioneira, Piracicabana e Urbi, que já operam de forma ineficiente o transporte em ônibus. As políticas de atração de grandes empresários estrangeiros, como os chineses, ainda não deu resultado concreto.

O transporte coletivo em ônibus é outro calo. Nesse ano que começa, o GDF provavelmente fará nova licitação do transporte de ônibus, já determinada pela justiça, mas que desde a gestão Rollemberg, o governo reluta em cumprir a sentença. E não está descartado novo aumento nas passagens de ônibus, afinal, a política de preços de óleo diesel do governo Bolsonaro resultou numa alta, até 6 de dezembro, de 5,7%, contra uma inflação acumulada nos últimos 12 meses de 3,27%, segundo o IPCA/IBGE.

 

Apesar do cenário difícil, a coluna deseja um Feliz 2020 aos leitores, com um ano mais socialmente mais justo e igualitário.