São sombrias as condições financeiras do Iges-DF que vai requerer maior repasse de verbas do GDF. Foto de Davidyson Damasceno/Ascom Iges-DF

Quando concebida, a iniciativa do nstituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal era apresentada como revolução da gestão pública. O novo modelo resolveria mais rapidamente os problemas, pois flexibilizaria a contratação de profissionais e a compra de material. Hoje, o que se vê é um rombo de um quarto de bilhão, que vai recair sobre o contribuinte. Um pedido de CPI para apurar os gastos do Iges-DF já foi protoculado na mesa da CLDF

Por Chico Sant’Anna

Criado sob o manto da eficiência na gestão de recursos públicos, o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), responsável pela administração dos hospitais de Base e de Santa Maria, além de um conjunto de seis UPAs, apresenta hoje um rombo de R$ 250 milhões em suas contas, além de ter antigos gestores sob a mira de investigações criminais. Os dados são do próprio GDF que, na administração de Ibaneis Rocha, ampliou a ação do Iges-DF. Antes ele só cuidava do Hospital de Base. Para o secretário de Economia do DF, André Clemente, que falou à Comissão Especial da Covid-19 no DF, grupo criado pela bancada distrital no Congresso Nacional, esse rombo não foi por falta de repasses de recursos provenientes do GDF, mas sim por descontrole administrativo.

Quando de sua criação, ainda no governo de Rodrigo Rollemberg, a iniciativa era apresentada como revolução da gestão pública. Para os opositores da ideia, contudo, era uma forma disfarçada de privatizar os recursos públicos para a Saúde – já que o Instituto poderia terceirizar todos as atividades internas, desde a lavanderia, a tomografia, exames de sangue, e até mesmo serviços médicos, como anestesiologia – e não seria a solução para atender a demanda de Saúde por parte da população. Para esses, somente um programa de assistência básica de saúde, tipo foi, na década de 1990, o Saúde em Casa, poderia reduzir a pressão nos hospitais, pois estaria promovendo a saúde das pessoas preventivamente.

Em 2017, quando ainda se chamava IHBDF, o discurso oficial defendia a ideia de que com menos burocracia e especialmente controle na gestão do dinheiro público, o novo modelo resolveria mais rapidamente os problemas, pois flexibilizaria a contratação de profissionais e a compra de material. As tradicionais licitações exigidas no setorHoje, o que se vê é um rombo de um quarto de bilhão, que vai recair sobre o contribuinte.

Convidado da Comissão Especial da Covid-19, o secretário de Economia do Distrito Federal, André Clemente, admitiu que houve descontrole no Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF). Com uma dívida de R$ 250 milhões, a entidade responsável pela administração terceirizada ainda tenta organizar a fila dos credores para que seja feito um planejamento dos fornecedores, segundo informe distribuído pelo gabinete da deputada Paula Belmonte (Cidadania).

Doutora em Saúde Pública, a professora Fátima Sousa, da Universidade de Brasília tem outra leitura. Ela vê nas insistentes tentativas de se abocanhar as verbas públicas da Saúde a razão desse quadro. “As terceirizações da saúde e a crescente expansão do setor privado, constituem um câncer que alimenta a corrupção na administração pública, facilitando a dispersão em larga escala da verba que deveria financiar o atendimento da população. Tais terceirizações deveriam gerar profunda indignação e imediata reação em todas as pessoas que se preocupam com a saúde, vida e com a dignidade humana.”

Para a secretaria de Economia, esse rombo se deve, em grande parte, a despesas não pagas do ano passado para cá. É de se ressaltar, que desde o ano passado, tem ocorrido uma alta rotatividade dos dirigentes do Iges-DF. O primeiro presidente do Iges-DF, Francisco Araújo, deixou o instituto em maio de 2020 para assumir o comando da secretaria de Saúde. No lugar dele, em junho, assumiu Sérgio da Costa.

Em setembro do mesmo ano, a pasta da Saúde do GDF foi envolvida numa série de escândalos. Francisco Araújo, já secretário de Saúde, e mais sete dirigentes da secretaria tiveram prisão decretada. O Ministério Público do DF acusara o grupo de orquestrar fraudes em quatro contratos da Secretaria de Saúde para compra de testes do novo Coronavírus, provocando um prejuízo aos cofres públicos estimado é de, pelo menos, R$ 18 milhões. No mesmo mês, após promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público, terem requisitado a íntegra de sete contratos do Iges-DF específicos de compras emergenciais de materiais como máscaras cirúrgicas, por dispensa de licitação. Sérgio da Costa pediu exoneração do cargo. Oficialmente, a razão teria sido a saúde pessoal dele.

Para a cadeira de Sérgio da Costa, foi designado Paulo Ricardo Souza, em novembro de 2020. Já na sabatina da Câmara Legislativa que avaliou a indicação dele pro Iges-DF, houve cobrança sobre o descontrole nas finanças do instituto. Na ocasião, a distrital Arlete Sampaio (PT) denunciou que as contas de 2018 só foram apresentadas apenas em outubro de 2020. A falta de transparência na execução dos contratos e na contratação de pessoal, além de denúncias de apadrinhamentos e de desrespeito à ordem de classificação nos processos seletivos, também foi alvo de questionamentos por parte do distrital Reginaldo Veras (PDT).

Mas ele nem esquentou o lugar. Em 4 de fevereiro desse ano, foi afastado do cargo para dar o lugar ao ex-ministro da Saúde e ex-presidente da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), Gilberto Occhi. Ao lado do presidente do Iges-DF, Gilberto Occhi, Clemente admitiu que as verbas foram repassadas corretamente pelo Governo do Distrito Federal. “Do ano passado para cá, o que permitiu que se chegasse a essa situação, que o Gilberto encontrou, de dívidas atrasadas, falta de recursos é que não foi”, constatou.

Ele afirmou que o Iges-DF negociou um aumento nos repasses da secretaria de Saúde. Antes, eram transferidos R$ 83 milhões mensais e o novo valor passou para R$ 107 milhões. A partir de agora, as despesas do dia a dia serão honradas. Entretanto, as dívidas passadas com fornecedores devem ser negociadas.

Se existem dividas passadas, também existirão novas despesas, notadamente com as sete novas UPAs que serão entregues, ainda esse ano. A expectativa é chamar aproximadamente 700 pessoas para trabalhar nas sete novas UPAs, bem como para reforçar os hospitais de Base e de Santa Maria, além das UPAs já em funcionamento. Gilberto Occhi estima que elas devem gerar custos novos custos da ordem de R$ 102 milhões até o fim do ano. Para não aumentar o rombo e garantir a recuperação financeira da instituição, ele anunciou o enxugamento da estrutura organizacional e a implantação de um novo pano de cargos e salários. Para quem já possui contrato, não deve haver impacto, segundo o secretário de Saúde. Futuras contratações sim deverão estar inseridas nessa nova grade salarial. “Usamos como base uma pesquisa de mercado de salário para todos os cargos da assistência. Em alguns deles, o valor implicará em uma pequena redução, mas a maioria dos cargos foi mantida com o mesmo salário”, ressaltou.

CPI do Iges-DF

Para o conselheiro de Saúde do DF, Rubens Bias, O iges se mostrou como sendo “uma forma de burlar as leis que regem os serviços públicos”. “Os defensores chamam isso de desburocratização. Mas o que anunciamos desde o início está acontecendo. Gastos descontrolados e crescentes, acusações de corrupção, falta de transparência, cabide de empregos. O iges precisa acabar para que os recursos públicos sejam adequadamente destinados a salvar vidas” – disse ele.

Na Câmara Legislativa, uma proposta do distrital Leandro Grass (Rede) de instalação de Comissão de Inquérito para apurar supostos desmandos no Instituto já reuniu o apoio de oito parlamentares e foi protocolada na mesa. Ela conta ainda com as assinaturas dos distritais Arlete Sampaio, Chico Vigilanre, ambos do PT, Fábio Félix (psol), Reginaldo Veras (PDT), Julia Lucy (Novo), João Cardoso (Avante) e Jorge Vianna (Podemos). Segundo Leandro Grass, “tem muita coisa errada dentro do Iges e é necessário investigar tudo. A CPI está ai e não tem pra onde correr” – concluiu.