A área urbana do Distrito Federal representava, em 2018, 12,55% do território, segundo dados do IBGE. Eram 728 km², dos quais 62 km² incorporados nos dezoito anos desde 2000. Já o agronegócio ocupava, em 2018, 1.390 km², quase o dobro da área urbana.

Texto e foto por Chico Sant’Anna

Cada vez mais o Distrito Federal perde áreas de cerrado e de vegetação original em seu território. Dos 5.802 km² de área que possui, o DF preservava, em 2018, 49,6%, cerca de 2.878 km². Engana-se, contudo, quem pensa que o grande vilão seja a expansão urbana. Na realidade, a devastação do cerrado do Distrito Federal tem no agronegócio o grande responsável.

Levantamento feito pelo IBGE, medindo o avanço sobre terras virgens no período do ano 2.000 a 2.018, constatou que a área agrícola avançou 257 km², principalmente sobre a vegetação natural, que, no caso do DF, é a vegetação do Cerrado. Isso representa uma ampliação da ordem de 22,68% na fronteira agrícolas candanga. Para que se tenha uma comparação, a expansão urbana, no mesmo período, foi de 9,31% (62 km²) e em maior parcela ocorreu, principalmente, sobre as áreas que já eram ocupadas em menor densidade, como as regiões de chácaras. Exemplo disso, é Vicente Pires e Arniqueiras.

É sempre bom lembrar o relatório da Missão Polly Coelho que, em 1946, esteve no Planalto Central demarcando o local onde Brasília seria erguida. O documento alerta para que não houvesse risco de abastecimento d’água à população que se instalaria na Nova Capital, seria necessário preservar intacto, pelo menos, 50% do território do Distrito Federal.

Pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais (PGEFL) da Universidade de Brasília concluiu que houve na região de Cerrado redução de 8,4% nas chuvas em 33 anos (de 1977 a 2010). Isso quer dizer que 126 litros de chuva por metro quadrado deixaram de cair no intervalo, correspondendo a uma perda anual de quase quatro litros por metro quadrado. No território do Distrito Federal, os espelhos d’água, como os Lagos Paranoá, Santa Maria e do Descoberto, representam 49 km². E nesse período de dezoito anos, não se verificou nenhum acréscimo de “corpos d’água”, como são chamadas essas áreas pelo IBGE.

Muita gente há de pensar que o Distrito Federal precisa produzir os alimentos necessários à alimentação de toda essa população. Entretanto, o perfil do agronegócio candango não é o do abastecimento local. Cereais, como milho e soja, dominam grande plantação, consomem grandes quantidades de água, e tudo é vendido pra fora, seja para outros Estados, seja para outros países. Na contramão, a Capital Federal é uma grande importadora de frutas e hortigranjeiros.

No mapa elaborado pelo IBGE, as áreas urbanas aparecem em vermleho e as exploradas pelo agronegócio, em amarelo. Em azul claro estão os “corpos d’água”, denominação técnica para lagos como o Paranoá.

A área urbana do Distrito Federal (vide mapa) representava, em 2018, 12,55% do território, segundo dados do IBGE. São 728 km², dos quais 62 km² incorporados nos dezoito anos desde 2000. O agronegócio ocupava, em 2018, 1.390 km², quase o dobro da área urbana. Os lagos e represas da Capital Federal respondem por 50 km² e a área remanescente de Cerrado e vegetação original era da ordem de 2.878 km². Ou seja, restam na área desapropriada da Capital Federal, 49,6%. Pode estar ai, como alertou a Missão Polly Coelho há 75 anos, as razões da crise hídrica por que passamos há pouco tempo.

Essa também é a preocupação do ecossociólogo, Eugênio Giovernardi. Ele alerta que com a devastação do Cerrado, as gerações que vierem a nascer em 2040 e 2050 vão depender das chuvas que serão cada vez mais irregulares. “Como estão hoje as áreas de nascentes e o tipo de vegetação nativa nas áreas do agronegócio e bovinocultura? O que se está realmente fazendo e como para regenerar os ecossistemas agredidos em sua vegetação e fauna e assegurar água para uma população que em 2040 deverá estar beirando os quatro milhões de habitantes?” – questiona ele.

Futuro

Para o professor de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Frederico Flósculo, a devastação feita pelo agronegócio deveria ter sido um dos temas centrais do Plano de Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) do Distrito Federal, feito em 2018 no governo de Rodrigo Rollemberg. “Como está ele se mostra inútil. Já estamos às vésperas de elaborar o quarto plano diretor de ordenamento territorial e temos esse “primeiro” ZEE que não serve para absolutamente nada. Estamos totalmente entregues ao acaso, ou melhor, aos apetite dos city aventureiros do setor imobiliário e do agronegócio.”

O futuro do Distrito Federal, na opinião do professor Flósculo, “é de completa devastação”. “Isso só ainda não aconteceu por pura falta de apetite do setor empresarial mais irresponsável. Nenhum governante conseguiu se antecipar a esses gafanhotos de nosso território. O que temos de cerrado já é quase insustentável pois sua preservação depende da manutenção de nascentes e de interligações entre áreas de preservação ambiental que já não são possíveis” – analisa ele.

Cerrado

As expectativas do Cerrado no Brasil não são das melhores. Há estudos que apontam a possibilidade desse bioma desaparecer em trinta anos. Além de produzir água para as regiões Sul, Norte e Nordeste, o Cerrado guarda 4,6 mil espécies de plantas e animais que só existem nesse bioma. O problema é que apenas um quinto do bioma original do cerrado continua totalmente preservado. Essa agressão, já é perceptível cientificamente na redução de cobras e serpentes no cerrado.

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De maneira geral, em todo o país, o Cerrado, que é o segundo maior bioma do Brasil, depois da Amazônia, tem sofrido com a expansão contínua e acelerada da agricultura. E grande parcela dessa devastação é para dar passagem a pecuária. A pastagem, diz o IBGE, é a segunda classe de uso da terra mais representativa nesse bioma.