O juiz Carlos Maroja, em sua sentença, ressalta que o Plano Piloto é tombado internacional e nacionalmente, que a implantação do Museu da Bíblia pode representar a descaracterização “de outro monumento”, o próprio Eixo Monumental, e lembra que a sociedade de Brasília tem questionado a construção desse novo monumento “em dias em que a população lastima que um outro monumento nacional do porte de um Teatro Nacional apodrece há anos, inacessível tanto ao sempre carente setor cultural candango como a uma população ainda mais carente de arte e cultura”.

Por Chico Sant’Anna

Domingo é um dia especial para a fé cristã. O termo domingo vem do latim, dies domini, que significa “dia do Senhor”. Segundo a bíblia, no livro do Gênesis, Deus criou o mundo em seis dias consecutivos e reservou o sétimo para descansar. Segundo Mateus 21:1-1, Lucas 19:28-44, Marcos 11:1-10 e João 12:12-19, foi num domingo, o de Ramos, que Jesus Cristo entrou triunfalmente em Jerusalém. Uma semana depois, aconteceria a ressureição, que marca o Domingo de Páscoa dos Católicos. Assim, na tradição cristã, domingo tem um sentido diferenciado. Dentre os dias da semana, é o dia especial para adorar a Deus.

Agora, um outro Domingo, o de 22 de agosto de 2021, também vai ficar na mente dos cristãos, em especial a dos Pentecostais e Neopentecostais. Nessa data, a Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal expediu liminar suspendendo o Edital nº. 18/2021, da secretaria de Cultura do DF, referente a escolha do projeto arquitetônico para o Museu da Bíblia. A deliberação do Juiz Carlos Maroja, em ação impetrada pela deputada Julia Lucy (Novo), determina, também, a paralisação de todos os demais atos que digam respeito “ao planejamento e execução de um museu na área do Eixo Monumental.”

Na ação pública impetrada pela parlamentar, é alegado que a obra do Museu da Bíblia é “faraônica”, orçada em mais de R$ 26 milhões, que não foi precedida de audiência pública; e que o gasto de R$ 122 mil, a serem pagos com recursos públicos, “para a escolha de um projeto desnecessário em plena pandemia implica em inversão na prioridade da alocação de recursos já escassos”. A Lei Orgânica do DF, em seu artigo 362, inciso II, estabelece como pré-requisito de validade do processo decisório envolvendo patrimônio cultural a realização de audiência pública.

Área alocada pelo GDF para a instalação do Museu da Bíblia fica na faixa central do Eixo Monumental, entre o Cruzeiro e o Setor Militar Urbano.

Nos autos do processo, o GDF alegou, em sua defesa, que “a mera realização de estudos para o museu, que fora idealizado por Niemeyer e previsto desde 1995, não representa prejuízo para a Administração ou ao interesse da coletividade”. Disse ainda que uma decisão da Justiça impedindo a continuidade do projeto “impediria o GDF de incentivar e promover o turismo; que o museu criará postos de trabalho; que as experiências dos museus da Bíblia situados em Barueri e Washington – DC demonstram a atratividade e lucratividade desse tipo de museu; que o museu terá relevância cultural e histórica”.  Curiosamente, o Ministério Público do DF optou por ficar do lado do GDF, contra uma suspensão do projeto do Museu da Bíblia.

Teatro Nacional

O juiz Carlos Maroja, em sua sentença, ressalta que o Plano Piloto é tombado internacional e nacionalmente, que a implantação do Museu da Bíblia pode representar a descaracterização “de outro monumento”, o próprio Eixo Monumental, e lembra que a sociedade de Brasília tem questionado a construção desse novo monumento “em dias em que a população lastima que um outro monumento nacional do porte de um Teatro Nacional apodrece há anos, inacessível tanto ao sempre carente setor cultural candango como a uma população ainda mais carente de arte e cultura”.

“O projeto (do Museu da Bíblia) submetido à impugnação neste feito impacta diretamente em bem cultural tombado como Patrimônio Histórico e Mundial da Humanidade: a concepção urbanística de Brasília, mais notadamente em sua escala monumental, a qual repousa exatamente sobre o leito do Eixo Monumental […]. É simplesmente inconcebível que qualquer autoridade pública se volte contra os efeitos do tombamento, que é, repita-se, medida de proteção a Brasília que vincula todos os poderes públicos à obrigação jurídica de protegê-la adequadamente.”

“A mera vontade política do Governador do Distrito Federal – continua a liminar prolatada – não é elemento suficiente para a execução de “atos que envolvam modificação do patrimônio arquitetônico, histórico, artístico, paisagístico ou cultural do Distrito Federal”. Para que qualquer ato deste porte – inclusive estudos prévios, diga-se de passagem – a apreciação em audiência pública é obrigatória, […]não se pode concluir, a priori, que a instalação de museu da Bíblia seja algo necessariamente afrontoso ao monumento (Brasília) tombado. Mas, para que tal aspecto primordial seja devidamente enfrentado, torna-se imprescindível, antes de mais nada, auscultar a sociedade sobre a ideia, sob pena de se empreender alteração possivelmente temerária do monumento nacional.”

Projetado por Oscar Niemeyer, a autorização de construção do Memorial da Liberdade e Democracia foi revogada pelo então governador Rodrigo Rollemberg

Museu da Democracia

A sentença também faz menção ao Memorial da Liberdade e Democracia – visto por alguns como museu dedicado a João Goulart. Aprovado no governo de Agnelo Queiroz, a instalação desse memorial, que visava abrigar os registros e a documentação dos anos de chumbo da Ditadura Militar, teve a decisão revogada pelo sucessor, Rodrigo Rollemberg, mesmo tendo sido aprovada pela Câmara Legislativa e de já contar com recursos federais e de patrocinadores privados. O tapume e a pedra fundamental da obra projetada por Niemeyer tiveram que ser retirados.

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“Um fato notório ocorrido nos idos de 2015 reforça a convicção da necessidade do prévio e amplo debate sobre qualquer intervenção no Eixo Monumental: na época, cogitou-se instalar ali um Museu dedicado a João Goulart. Após a percepção da intensa rejeição social à intervenção sobre a escala monumental (e não necessariamente à figura histórica que seria homenageada), numa discussão em muito similar à que atualmente envolve o projeto mencionado na demanda, o governo retratou-se da decisão. Se não pelo respeito às diretrizes constitucionais, a lição do evento histórico recente recomendaria, no mínimo por cautela, que os atos relativos à intervenção no monumento nacional fossem precedidos de oitiva da população – registra a sentença.

Turismo e Museus

Assim como Washington, Paris, Madrid cidades capitais, como Brasília, o turismo é fonte fundamental para o desenvolvimento sustentável. E para atrair turistas e ampliar sua presença na Capital Federal, equipamentos culturais se fazem necessários.

Washington, cidade irmã de Brasília, potencializa todas as energias cívicas, culturais, políticas e religiosas. Não, necessariamente, na área monumental da capital norte-americana – igualmente planejada como a nossa -, que reúne a Casa Branca, o obelisco do Washington Memorial e o Capitólio.

Por todos os cantos da cidade é possível encontrar monumentos, museus, espaços que lembram diferentes temáticas. Das Guerras das quais os Estados Unidos participaram ao sonho de um mundo mais igual de Martin Luther King. O Museu da Bíblia estadunidense, por exemplo, fica numa rua comercial normal de Washington, a 4th St SW.

Instituições como o Memorial da Liberdade e Democracia, proposto pelo Instituto Jango, e o Museu da Bíblia podem representar ganhos na geração de empregos, na dinamização do turismo e no incentivo ao estudo e compreensão dos acontecimentos. Dentro desse propósito, o Museu da Bíblia deveria ser holístico até mais conveniente que fosse o Museu das Religiões praticadas no Brasil. Desde o xamanismo indígena, passando pelos cultos das matrizes africanas, o espiritismo, as religiões orientais, como o Zoroastrismo, Budismo e o Hinduísmo, chegando às de origem no Oriente Médio, como Judaísmo, o Islamismo e as diferentes matrizes da fé cristão. Talvez resultasse numa grande contribuição para um melhor entendimento entre todos. Entretanto, o Distrito Federal é grande. Há outros lugares.

Próximas etapas

A decisão proferida nesse domingo é uma liminar. Ou seja, é provisória. A próxima etapa é o julgamento do mérito e, para isso, o GDF será instado a apresentar novos argumentos. É provável que ele tente derrubar a liminar, numa instância superior, antes mesmo do julgamento do mérito. Recentemente, o secretário de Cultura do DF, Bartolomeu Rodrigues, afirmou – em entrevista ao jornalista e teatrólogo, Alexandre Ribondi – ser contra a construção do Museu Nacional da Bíblia, em Brasília. Mesmo sendo o responsável pela pasta que organiza a seleção para escolha do projeto arquitetônico da obra. Disse que por mim (ele), não teria (o museu).

É sempre bom lembrar que a pedido do governo do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, em abril, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, liberou a retomada da construção do Museu da Bíblia, que havia sido paralisada por ordem da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. Essa decisão tinha sido em ação impetrada pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), que alegava ser a construção do museu uma agressão à laicidade do Estado e representa intervenção estatal em matéria religiosa.