
Dezoito chegaram a ser licitadas no último ano do governo de Michel Temer, a um custo total de R$ 39,8 milhões, recursos alocados pelo FNDE. Mas o governo Bolsonaro, que se iniciou em 2019, não as executou. Além do ensino às crianças e a adultos, essas escolas se tornariam importante polos para servir de base a outras ações de apoio aos povos indígenas. As crianças contariam com a merenda escolar, evitando-se esse quadro atual de desnutrição, que faz lembrar os horrores de Biafra, na África.
Por Chico Sant’Anna
Não foi só campo da Saúde que os indígenas da Amazônia foram prejudicados. Também na educação infantil eles foram renegados ao esquecimento nas gestões dos presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Essa duas gestões deixaram de implantar cinquenta escolas em cinquenta comunidades indígenas de 22 grupos étnicos do Alto Rio Negro. As 50 escolas iriam atender uma população de 3.300 crianças indígenas e já contavam com recursos alocados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para serem edificadas.
Entre 2007 e 2015, o governo de Dilma Rousseff elaborou um projeto de implantação de 528 escolas para a comunidade indígena, em todo o país, em parceria com governos estaduais e municipais. Quando do impeachment, 64% dessas escolas tinham sido executadas ou estavam em implantação. Entretanto, nas localidades do Território Étnico-educacional do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos, apesar de pactuadas 53 colégios, nenhum foi materializado.
Foi então desenvolvido um projeto piloto com 50 unidades de ensino. Pelo projeto, seriam beneficiados povos Yanomamis, Baré, Warekena, Arapaso, Bará, Barasana, Desana, Karapanã, Kubeo, Makuna, Miriti-Tapuya, Pirá-Tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka, Kotiria, Taiwano, Dow, Hupda, Nadöb, Yuhupde, Baniwa e Coripaco.
Dezoito chegaram a ser licitadas no último ano do governo de Michel Temer, a um custo total de R$ 39,8 milhões, recursos alocados pelo FNDE. Mas o governo Bolsonaro, que se iniciou em 2019, não as executou. Além do ensino às crianças e a adultos, essas escolas se tornariam importante polos para servir de base a outras ações de apoio aos povos indígenas. As crianças contariam com a merenda escolar, evitando-se esse quadro atual de desnutrição, que faz lembrar os horrores de Biafra, na África.

Respeito às culturas

Ao contrário de outras iniciativas desse perfil, as 50 edificações propostas buscavam respeitar as especificidades de cada povo. Sob o ponto de vista de ambientação e de respeito às culturas, “as escolas representam uma inovação dentro das melhores práticas de sustentabilidade e foram previamente debatidas com as próprias comunidades. A existência dessas unidades escolares seria um forte instrumento para combater as mazelas pela qual passam os povos indígenas” – salienta o engenheiro Rudybert Barros von Eye, à época vinculado ao projeto do Ministério da Educação.
Havia a necessidade de se superar as dificuldades construtivas de escolas. Como se sabe, nas áreas em que elas precisam ser edificadas, insumos como ferro, cimento, brita, telhas são mais difíceis de se obter. Optou-se, então, por desenvolver um projeto de edificação escolar que atendesse as melhores práticas de sustentabilidade em questões relativas à arquitetura, captação de água pluvial, energia a partir de painéis fotovoltaicos e tratamento natural de efluentes.
A tipologia definida respeitaria ainda à tradição cultural de cada uma das etnias contempladas. A maioria dos 22 grupos étnicos do Rio Negro optou por um modelo arquitetônico que remetesse à “maloca”. Dessa forma, houve emprego de grande quantidade de madeira, sem renunciar o emprego de novas tecnologias
Segundo Rudybert, mesmo com a mudança de governo, as empresas selecionadas fizeram gestão pela continuidade dos contrato. Tudo em vão. A responsabilidade total, segundo ele, é dos gestores à época do FNDE na Diretoria de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais. Vale lembrar que o FNDE é a mesma área do MEC que esteve envolto a denúncia de tráfico de influência de pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura, acusados de cobra propina para facilitar o repasse de verbas para municípios na distribuição de recursos do órgão. Segundo a denúncia, prefeitos eram obrigados a comprar dos pastores bíblias a preços extorsivos, em alguns casos até pagos em ouro.
O engenheiro salienta que nesse quadro de crise vivenciado pelos povos indígenas, esse projeto pode ser retomado rapidamente, pois está praticamente tudo pronto para sua execução. Basta uma vontade política do governo, em especial dos ministérios da Educação e o do Povos Indígenas.
Defensor da criação de uma Universidade Intercultural Indígena, Marcos Terena, entende que “as escolas são importantes na medida em que elas agregam à sabedoria dos anciãos, novos conceitos. Isso ajuda a nós como o olhar de esperança das crianças. Tudo são partes dessa engrenagem para o bem viver.”