Por Melillo Dinis do Nascimento,
publicado originalmente na coluna
“Direito, Política & Cotidiano”
da Revista Eletrônica Resenha
A elevada taxa de crescimento demográfico da Área Metropolitana de Brasília e a falta de espaços para o crescimento planejado criaram um fenômeno típico em nossa região: a ocupação agressiva de diversas parcelas de terra (pública ou privada). Muitas vezes sob o manto da grilagem, outras em decorrência da desordenada expansão urbana e das necessidades das pessoas por uma moradia, os condomínios têm vários desafios jurídicos e políticos.
No campo jurídico, as “irregularidades” são de três ordens: fundiária, urbanística e ambiental. Como temos sentido na pele, as mudanças climáticas que vive esta região do planeta têm uma relação profunda com a sensibilidade do bioma cerrado frente a presença humana descuidada. Não é à toa que estamos sendo surpreendidos pelo clima. Diante deste quadro, a legislação ambiental, que no Distrito Federal tem diversas particularidades, exige um tratamento muito mais cuidadoso e sistemático por parte das autoridades e da população.
A cidade se ressente ainda de uma crise jurídico-urbanística. Como digo, há uma Brasília “planejada” e uma Brasília real. Há um direito à cidade, mas não há uma cidade de direitos. A razão é que muitos não cumpriram com seus deveres. Ocorre que este direito-dever pode se confundir com a cidade e seus temas básicos, como água, esgoto, transporte, escola etc. Não é o caso. São dimensões distintas. Esta confusão acaba por transformar a utopia de uma cidade (ao mesmo tempo uma urbe e uma civitas) em algo fugaz, espaço diluído nas lutas por direitos elementares da população. São necessárias normas urbanísticas mais consequentes que circunstanciais. No atual quadro, o nosso direito à cidade é o mínimo, tal qual é a cidadania brasileira. Ela é sempre o possível e não o desejável!
Temos ainda o desafio das normas fundiárias. A construção da nova capital deixou um conjunto de problemas mal resolvidos. De outro lado, muitos se apropriaram da terra pública e da terra privada. Para piorar a situação, milhares de famílias dotadas de boa vontade, mas com recursos escassos para realizar o sonho da moradia nos padrões elevados das demais cidades de Brasília foram vítimas e protagonistas de pesadelos apresentados como sonhos. A ferro e fogo, criadas sem nenhum respeito pelo jurídico, muitas áreas não resolveram a questão fundiária fundamental: a propriedade da terra.
Em recente revolução jurídica, o Governo Federal cuidou de promover a edição da Medida Provisória (759/2016) que se transformou na Lei nº 13.465/2017. Ela trouxe benefícios para a maioria dos terrenos irregulares na cidade. Aos condomínios mais consolidados o cenário é de total regularização, se o governo local a colocar em prática.
Toda e qualquer estratégia jurídica exige a articulação destes 3 campos: o fundiário, o urbanístico e o ambiental. Mas, além disto, é necessário um amplo diagnóstico de cada um dos condomínios passíveis de regularização definitiva.
Muitos me perguntam: qual é a vantagem de estarmos morando em condomínios regularizados? Primeiro, há um aspecto econômico: o valor da terra cresce muito quando regularizada. Depois, além de estar correto ante as leis e tranquilos frente ao futuro, há cada vez menos espaço legal para viver no limbo da inação do Estado. Um exemplo: o Tribunal de Justiça do Distrito Federal confirmou recentemente o entendimento de primeira instância de que condomínios “irregulares” não podem cobrar, via ação de execução, dívidas de moradores em ações judiciais. O entendimento é de que a ausência dos documentos necessários impede o andamento das ações. Isto só vai piorar.
Os desafios políticos são, todavia, maiores que as dificuldades jurídicas. Ainda não se encontrou na burocracia do Estado uma capacidade de articulação, sentido e inteligência para a solução dos mais diversos problemas decorrentes dos casos dos condomínios. Há alguns esforços por parte do Governo do Distrito Federal. Mas sempre esbarram numa inércia que não permite mais esperar. Precisamos de mais eficiência, efetividade e eficácia, com ética e equidade.
Noutro campo, há uma tarefa que é dos moradores e de seus dirigentes. Muitos ainda não se esforçaram para entender que somente a ação coletiva, independentemente de localidade ou perfil de seu morador, é que vai dar força ante ao Estado e seus agentes. A grandiosidade dos condomínios, de seus problemas e a diversidade de situações distintas em toda a cidade são a sua força e a sua fraqueza. Vítimas de diversos tipos de aproveitadores, especialmente em anos eleitorais, há que se evitar que uma necessidade coletiva seja apenas uma moeda de troca política. É tempo dos mais variados condomínios saírem do jardim de infância e assumirem que sem união e articulação nenhuma luta é vencedora.
Ainda que a demagogia dos que defendem abertamente a ocupação ilegal ou desregrada do território encante alguns desavisados, é tempo de se comprometer com o futuro das novas gerações, com o ambiente sustentável, com a cidade e com a terra, com a lei e a ética. Sem isso, repetiremos os mesmos erros. E transformaremos teimosia em ignorância.
As opiniões aqui expressas são de responsabilidade de seus autores
O princípio básico e salutar do bom Jornalismo é a pluralidade de opiniões. O artigo acima do advogado Mellilo Dinis foi publicado nesse blog exatamente nesse espirito da democracia informativa, embora, como editor do blog, divirja de vários dos argumentos aqui colocados.
Estou em Brasília desde 1958 e nessa história de condomínio não tem santo, nem desinformado. Dizer que desconhecia das irregularidades das terras é tentar tapar o sol com a peneira.
Desde o governo José Aparecido, ainda na década de 1980, esse tema vem sendo batido e rebatido pela imprensa. Até concordo que faltou política habitacional em vários governos do GDF, mas desconhecer que as áreas eram irregulares, não tinha como. Teve CPI, gente presa, casas derrubadas.
Até hoje, a política é a mesma. Basta um feriadão, em que a fiscalização está inativa, para que cercas, muros e casas se ergam.
O debate está aberto.
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Caro Chico, obrigado pelo espaço e pela tolerância com minhas ideias. Divergir com elegância é uma arte e neste campo, como noutros, você é um mestre. Minha opinião é simples. Os loteamentos irregulares sempre repercutem sobre o plano urbanístico do Distrito Federal. Há implicações sobre o bem-estar da coletividade em geral e comprometem o futuro local. A invasão de áreas públicas não pode ser entendida como simples caso de abuso do direito de propriedade do solo. O parcelamento ilegal com o objetivo de lucro é definido como crime. Não pode ser entendido apenas como um ato jurídico pelo qual se fraciona a propriedade e se criam direitos decorrentes entre o loteador e o adquirente do lote.do Distrito Federal. Tem implicações sobre o bem-estar da coletividade em geral e comprometem o futuro local. A invasão de áreas públicas não pode ser entendida como simples caso de abuso do direito de propriedade do solo. O parcelamento ilegal com o objetivo de lucro é definido como crime. Apesar deste quadro grave, há situações várias e que não podem ser ignoradas. A maioria dos adquirentes são vítimas.
Como artifício empregado muitas vezes para lesar os consumidores adquirentes dos lotes, o loteador apresenta a escritura do registro de imóveis em que figura a área original. O terreno que irá ser loteado é apresentado como regular. O loteador vende frações de loteamento sem o devido registro no cartório de imóveis. O comprador desavisado é enganado neste momento. O resultado da subdivisão do terreno original é o loteamento, através do qual formam-se novos lotes. Antes do projeto de loteamento ser aprovado e registrado no cartório de imóveis, só existe a própria gleba original integral. A área original deixa de existir quando o loteamento é registrado, para em seu lugar constarem o parcelamento e os seus respectivos lotes. Nesse quadro, muitos acabaram investindo em uma moradia e ganharam um pesadelo: regularização fundiária, urbanística e ambiental. Que ainda não são prioridades dos governos locais. Assim, mais que apontar os dedos para culpados, creio que é tempo de propor soluções. Para evitar que o atual quadro piore, é tempo de apostar numa legislação e numa política se superação e não de acusação. Fora disto, é pirotecnia. Um abraço. Melillo Dinis
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