Novos gestores do Mané Garrincha querem trocar o nome do estádio e faturar com o marketing. Foto de Gabriel Jabur, da Agência Brasília.

Temas que foram um calo para gestões passadas, um novo nome para o Mané Garrincha e recuos de cercas no Lago Sul e Norte vão dar dor de cabeça a Ibaneis Rocha, em 2020.

 

Por Chico Sant’Anna

 

O mundo dá voltas – apesar dos terraplanistas dizerem o contrário – e a história se repete. Principalmente a história política. E o governo Ibaneis está prestes a se confrontar com duas polêmicas já vividas por seus antecessores que só renderam desgastes aos titulares do Buriti. Irá ele aprender com os erros dos antecessores? Na volta dos ponteiros, Ibaneis Rocha (MDB) vai se confrontar com nova polêmica de desocupação de áreas verdes do Lago Sul e Norte e também com a mudança de nome do estádio Mané Garrincha. Da primeira ele não tem muita escapatória, mas se for inteligente não entrará em campo na segunda.

Mané Garrincha

Alguns acham que é coisa de botafoguense, mas é muito mais amplo. Mexe com o brio dos brasilienses. No governo Agnelo Queiroz (PT), o GDF fez de tudo para retirar o nome Mané Garrincha e comercializar a denominação do estádio. Na ocasião, a imprensa comentou a existência de um contrato milionário com uma marca de refrigerante e, ao contrário do que muitos pensavam, as cadeiras vermelhas do Mané não eram para homenagear o petismo, mas sim uma exigência para que se vingasse a Arena Coca-Cola.

Na mobilização para manter o nome de Garrincha, até sua viúva, Elza Soares, entrou no jogo para derrotar as pretensões de Agnelo.

A população de Brasília se indignou e não autorizou nem mesmo o uso do genérico Estádio Nacional de Brasília. A aversão popular chegou à Câmara Legislativa ao ponto da então deputada Liliane Roriz (PSD) apresentar projeto de lei que batizou o estádio com o nome do craque das pernas tortas. Dezessete dos 24 deputados apoiaram a iniciativa. Teimoso, Agnelo, não se deu por vencido e foi pro segundo tempo: vetou o projeto. Aí é que a torcida se fez ainda mais presente. Nessa mobilização toda, até Elza Soares, viúva de Mané Garrincha, entrou no jogo. E na prorrogação, mais uma derrota, a Câmara Legislativa derrubou o veto do governador.

Garrincha, ponta direita do Botafogo e da seleção brasileira, vestiu a camisa do Ceub, time da capital federal.

Agora, no primeiro ato da gestão privatizada no Estádio, os novos donos anunciam que vão mudar o seu nome. Pior, vão vender o nome da arena. E Ibaneis sem necessidade entrou numa bola dividida, cogitando em dar o nome de Arena BRB. A ideia dos novos donos é faturar com o merchandising. Vão ter que enfrentar uma retranca pesada. Mas quem merece cartão vermelho é a ideia do Banco de Brasília, um banco público, desembolsar milhões nessa empreitada. Se o valor desse patrocínio for semelhante aos R$ 5,5 milhões, que o BRB repassa aos times de basquete do Flamengo e do Universo, o custo anual do arrendamento do Mané Garrincha, do ginásio Nilson Nelson e do complexo de piscinas Cláudio Coutinho já estará todo pago: com recursos públicos. A Arena BSB arrematou a concessão de todo esse complexo por R$ 5,05 milhões por ano, além de 5% do faturamento do complexo.

A iniciativa traz grandes problemas e muito desgaste para quem vier a defendê-la. Primeiro, vai começar uma batalha judicial e quiçá legislativa, uma vez que o estádio é batizado por lei. Não será um ato administrativo que poderá alterar isso. Uma nova lei terá que ser aprovada. E ai a torcida vai estar em campo novamente. Até Elza Soares deverá ser escalada. O segundo óbice se deve ao fato que se fosse para o BRB injetar milhões no Mané Garrincha, não teria sido necessário sua privatização. Bastaria um acordo intragovernamental para viabilizar os custos de manutenção e toda a estrutura permaneceria pública. Por último, irá Ibaneis cair na mesma armadilha que desgastou Agnelo Queiroz?

Brasília – Vista aérea do Lago Paranoá. Foto de Chico Sant’Anna.

Lago Sul e Norte

Na gestão de Agnelo Queiroz, o GDF perdeu na justiça duas ações que tratavam da ocupação de áreas públicas do Lago Sul e Norte. Agnelo ignorou as decisões e empurrou o imbróglio para seus sucessores. Coube a Rodrigo Rollemberg a missão de desocupar as margens do Lago Paranoá, acatando uma decisão judicial já tramitada em julgado. Se não o fizesse, poderia até perder o cargo. Rollemberg conseguiu fazer do limão uma limonada. Da imposição judicial criou o Lago é para Todos e conseguiu assim galgar a simpatia de parte dos brasilienses, que passaram a ter acesso às margens do Paranoá, embora a maioria dos moradores do Lago Sul e Norte reclamem até hoje.

Um corredor de pelo menos três metros de largura deverá existir na junção das áreas verdes dos lotes frontais do Lago Sul e Norte. Media é para assegurar o funcionamento das concessionárias de serviço e o livre trânsito da pessoas. Foto de Chico Sant’Anna.

Servidão de Passagem

No colo de Ibaneis Rocha vai cair o resultado de outro processo, igualmente já tramitado em julgado – sem condições para recursos. A ação data de 2012. E a decisão determina a liberação das Servidões de Passagem. O nome é meio estranho, mas trata-se de um corredor que deve ficar livre e desobstruído entre os lotes frontais do Lago Sul e Norte. Nesses dois bairros é prática comum ocupar as áreas públicas até os limites das áreas verdes do vizinho da frente. Isso dificulta ou até impede o acesso das empresas concessionárias de telefonia, água e esgotos as suas instalações. Além disso, nas Quadras do Lago – QL, aquelas que terminam na beira lago, populares que quiserem ter acesso a orla do Paranoá ficam impendidos de fazer o trajeto entre as quadras.

Na gestão de José Aparecido, na década de 1980, tanto a orla, quanto as servidões de passagem, tiveram que ser desocupadas. Algumas delas receberam ciclovias e calçamentos, mas com o passar dos anos, moradores do Lago voltaram a ocupar as áreas públicas. A alegação dos moradores é que buscam dar mais segurança às residências. Entretanto, não há evidências de que as quadras que mantiveram as passagens livres haja maior índice de violência.

Publicada originalmente na coluna BRASÍLIA, POR CHICO SANT’ANNA, no semanário Brasília Capital.

Decisão judicial

Para ganhar tempo, o GDF, por meio da Agefis, tentou envolver nesse imbróglio jurídico a corresponsabilidade dos moradores e do Instituto Brasília Ambiental – Ibram. Mas o TJDF não aceitou a manobra e deu prazo para que o governo apresentasse um calendário da desobstrução dessas passagens. O prazo se extingue agora em fevereiro e a desobstrução vale tanto paras as QLs, quanto para as QIs.

Em sua sentença, o juiz Carlos D. V. Rodrigues, à época, da Vara de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, lembra que “há a previsão de faixas de área pública entre os lotes localizados nos finais de quadras residenciais sem saída, destinada a passagem de pedestres e de redes de infraestrutura”. A sentença não é clara em quantificar as dimensões dessa área, mais alguns especialistas afirmam que deve ser de no mínimo três metros de largura e ao longo de todos lotes.

Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público, autor da ação, 95,7% das passagens de pedestres estão obstruídos. “O exercício do direito de ir e vir, seja para ter acesso à Orla do Lago Paranoá, bem de uso comum do povo, ou para ter acesso às principias vias do Lago Sul e Norte, deve ser garantido, não sendo possível sua privatização ou seu fechamento para a população” – sentenciou Rodrigues.

Dentre os moradores, em especial do Lago Sul, a possibilidade de ter que recuar as cercas aterroriza a muitos. O Conselho de Segurança do Lago Sul – Conseg já foi inclusive acionado. Estuda-se uma ação rescisória, mecanismo do Direito com objetivo de desfazer efeitos de sentença já transitada em julgado. Advogados consultados julgam bastante improvável que isso surta efeito nos tribunais.