
“O exercício do direito de ir e vir, seja para ter acesso à Orla do Lago Paranoá, bem de uso comum do povo, ou para ter acesso às principais vias do Lago Sul e Norte, deve ser garantido, não sendo possível sua privatização ou seu fechamento para a população” – sentenciou em 2013 o Juiz Carlos D. V. Rodrigues.
Por Chico Sant’Anna
A virada do ano deverá ter de mais um embate entre o GDF e os moradores do Lago Sul e Norte. Além da proposta de nova redação para a Lei de Uso e Ocupação do Solo – Luos – que amedronta moradores desses dois bairros, o DFLegal deverá dar início a uma nova retirada de cercas que ocupam áreas públicas. Dessa vez, serão desobstruídas as Servidões de Passagem. Nome complexo para definir o corredor que existe nas áreas verdes entre um conjunto e outro. Em audiência virtual realizada na terça-feira, 27/10, o Juiz Carlos Maroja, da Vara do Meio-Ambiente e Desenvolvimento Urbano, concedeu 30 dias para que o GDF apresente o cronograma de retirada das cercas que deverá ser concluída ao longo de 2021. A medida deve atingir, aproximadamente, 900 casas nos dois bairros.
A ação data de 2012. E a decisão determina a liberação das Servidões de Passagem. Os corredores devem ficar livres e desobstruídos entre os lotes frontais do Lago Sul e Norte. Nesses dois bairros é prática comum ocupar as áreas públicas até os limites das áreas verdes do vizinho da frente. Isso dificulta ou até impede o acesso das empresas concessionárias de telefonia, água e esgotos as suas instalações. Além disso, nas Quadras do Lago – QL, aquelas que terminam na orla, populares que quiserem ter acesso ao Paranoá ficam impendidos de fazer o trajeto entre as quadras.
Em 2013, em sua sentença, o juiz Carlos D. V. Rodrigues, à época, da Vara de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do DF, lembra que “há a previsão de faixas de área pública entre os lotes localizados nos finais de quadras residenciais sem saída, destinada a passagem de pedestres e de redes de infraestrutura. […] O exercício do direito de ir e vir, seja para ter acesso à Orla do Lago Paranoá, bem de uso comum do povo, ou para ter acesso às principais vias do Lago Sul e Norte, deve ser garantido, não sendo possível sua privatização ou seu fechamento para a população” – sentenciou Rodrigues.”
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A sentença não é clara em quantificar as dimensões dessa área, mas alguns especialistas afirmam que deve ser de no mínimo três metros de largura e ao longo de todos lotes.

A administração Ibaneis Rocha apresentou um cronograma de retirada das cercas para ser executado até 2024. O Ministério Público, na pessoa do promotor Dênio Augusto, da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística, considerou a proposta “um absurdo”, pois a sentença, já transitada em julgado, é de 2013.
“Estamos esperando (o GDF) há sete anos, tentando executar a decisão da justiça. Se tivermos que esperar tanto assim pela atuação do DFLegal o que será de nós nas questões ambientais e urbanistas” – chamou ele à atenção dos representantes do GDF, na Audiência. Por sua vez, o Juiz Carlos Maroja comentou que “em Brasília, leis ambiental e urbanista parecem que são meros enfeites. Lei é pra ser cumprida” – sentenciou.
Trânsito em julgado significa dizer que não há mais recursos cabíveis, nem condições de rever a decisão. Mesmo assim, representantes dos moradores, em especial do Conselho Comunitário do Lago Sul – CCLS, tentaram, inicialmente, submeter a decisão judicial à concordância dos moradores e, num segundo momento, que quando da data de aprovação do cronograma das cercas dos moradores fosse concedido um prazo de 90 dias, para que se efetivasse.
Ambas as solicitações não foram acatadas. Moradores alegaram que o fechamento das servidões de passagem era garantia de mais segurança pública e que sua abertura poderia resultar também na impermeabilização do solo, dificultando a infiltração de água. Por último, na pessoa da vice-presidente do CCLS, Natanry Osório, foi sugerido que as servidões tivessem um portão de acesso e que ficassem abertos durante o dia e fechados à noite. O juiz Carlos Maroja considerou “falacioso” o argumento de que a grades assegurariam mais segurança e lembrou que seus pais, então moradores do Lago Norte, possuíam uma casa totalmente cercada até a beira do lago e ladrões chegaram de barco, pelo Paranoá, para roubar a casa. Presente na audiência, o representante do GDF, Procurador Mário Hermes Trigo, admitiu que agora o que cabe é definir como as áreas serão liberadas e afirmou que como morador de Brasília, não via no cercamento de área pública com fins de segurança uma solução eficiente.
Postergar
Ibaneis Rocha não quer desgaste com os moradores do Lago Sul e Norte, muitos dos quais votaram nele. Sabe o quanto isso custou à candidatura de Rollemberg à reeleição. Assim, a administração de Ibaneis Rocha vem tentando revogar essa sentença em tribunais superiores, por meio de uma ação rescisória – tarefa difícil, pois já é tema julgado há quase uma década – e por isso mesmo, ganhar tempo é uma estratégia. Ao apresentar um cronograma de remoção das cercas para 2024, ele repete a tática utilizada pela gestão de Agnelo Queiroz, que empurrou para Rodrigo Rollemberg o ônus de desocupar a Orla do Lago e de quebra ganhar uma briga com os moradores dos dois bairros.
Também naquela época, o GDF perdeu na justiça duas ações que tratavam da liberação de áreas públicas ocupadas ilegalmente no Lago Sul e Norte. Agnelo ignorou as decisões e empurrou o imbróglio para seu sucessor. Se não cumprisse a decisão judicial, Rollemberg poderia até perder o cargo. Agora a Justiça do DF não pretende deixar que a empurrocracia volte a funcionar.
“Deixar para 2024 é um interesse político mesquinho” – comentou Carlos Maroja”.
“Isso é um deboche com os administradores do direito. Existe uma sentença judicial há 7 anos” – reforçou o procurador Dênio Augusto.
Ambos deixaram claro a intenção de aplicar multas e abrir processo de improbidade administrativa se o calendário ora acertado não for cumprido.
Pela decisão, o GDF deverá apresentar em 30 dias o cronograma da retirada das grades. Segundo levantamento realizado em 2012 pelo Ministério Público, autor da ação, 95,7% das passagens de pedestres estão obstruídos. O DFLegal, também presente, alertou que o melhor seria os moradores se anteciparem e eles mesmos recuarem os gradis, pois além do estrago que as remoções costumam gerar, o GDF tem por hábito mandar aos moradores a conta dos serviços de retirada de grade.
Tem que desobstruir. É área pública, serventia urbana, passagem de redes urbanas.
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A área é pública, porém o GDF abandonou a mesma e não cuida como os moradores cuidavam, isso é que não pode ser. Desobstruir é fácil, difícil é manter a segurança do local, os condomínios ilegais criados tem guarita e não entra quem não se identificar, porquê, são áreas públicas e com construções ilegais, não são regularizadas como os terrenos dos lagos sul e norte. Falar em democratizar espaços públicos sem a devida segurança é fácil, ainda mais para os que não estão com seus imóveis sendo invadidos por bandidos em plena luz do dia por assaltos.
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Há critérios técnicos para projetos urbanísticos para garantirem a circulação de veículos, pedestres, equipamentos públicos comunitários ( áreas para educação, saúde, segurança, abastecimento, lazer etc) bem como para equipamentos públicos urbanos ( serviços públicos de infraestrutura). Na medida em que os espaços reservados em projeto são privatizados é a população como um todo que fica prejudicada, contrariando o interesse público. Cabe ao Estado preservar e proteger essas áreas que são “ do público”…. nada mais a fazer.
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As áreas públicas devem ser desocupadas. Todas. Sem privilégio. Inclusive a passagem pela península na Ql 12. Aquela grade cerceando a entrada no parque é o fim da picada. Aquela quadra não é condomínio fechado. Portanto não podem cercar coisa nenhuma sob nenhuma alegação.
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A rigor, lendo a reportagem, o enfrentamento não é propriamente entre moradores e o GDF, como sugere a manchete.
Pelo descrito o GDF tem tentado postergar a aplicação de uma determinação judicial com trânsito em julgado.
A manutenção das ocupações como estão, a priori, é de interesse dos moradores e o GDF não tem se mostrado favorável a reverte-la.
A questão que se avizinha é similar ao que ocorreu na orla. Foi desobstruída, mas também abandonada. Quem ocupava não zela mais (salvo raros casos) e o governo também não o faz a contento.
A desobstrução precisa vir acompanhada da correspondente ‘urbanização’ com calçadas, escoamento de água, iluminação, instalação de lixeiras, etc.
Também demandará mais do SLU, Novacap e Segurança Pública.
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Eu, como morador do Lago Norte há 36 anos, sou favorável a passagem livre por toda a orla de nosso majestoso Lago Paranoa, independentemente de quaisquer discussões judiciais. Cabe, tão somente as nossas autoridades promoverem a conservação, infraestrutura e segurança dessas áreas. Para isso, dentre outras coisas, é que pagamos nossos impostos.
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Se a grande questão é o democrático acesso ao lago, por que não utilizar as entrequadras para isso? Devidamente sinalizadas, urbanizadas, com estacionamentos, iluminação e tudo mais? Atenderia aos anseios da população que se sente excluída e ao mesmo tempo manteria a segurança que hoje existe entre os lotes ponta e contra-ponta protegidos pelo fechamento das passagens de servidão. Essa seria uma solução lógica e democrática. Todos sabemos que as áreas verdes ficam abandonadas quando os moradores não se arvoram em seus cuidadores. Há que se levar em conta também as áreas de proteção ambiental às margens do lago, hoje sofrendo até invasão de carros, como acontece atualmente no lago norte, além de acúmulo de lixo, cascos de bebidas, seringas usadas e tudo mais, inclusive uso de fogo pra churrasco, tudo isso colocando em risco o meio ambiente e os próprios usuários.
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?Oi, Chico, tudo bem? Em teu blog você fala de tantas coisas importantes sobre o DF, do território, população, meio ambiente… todos temas que fazem parte do meu universo de preocupações Publica um livro com esses artigos! abraço! Celeste ________________________________
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Oi Celeste
Me sinto lisonjeado com seu comentário. A ideia é ótima. Vamos pensar sobre isso.
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