O GDF precisa pensar grande. A oportunidade é única. Muito provavelmente, o Zoológico de Brasília tornar-se-ia um dos raros no Brasil a ter condições de expor e estudar tais animais, favorecendo inclusive na retomada do turismo para a Capital Federal. O Ibama parece não concordar som o sacrifício dos animais. Afinal, fazer, como disse o biólogo, a eutanásia nelas – termo que consideramos inapropriado, pois eutanásia se aplica a seres sem perspectiva de vida – demonstra total falta de visão.
Por Chico Sant’Anna
Publicado originalmente no Correio Braziliense
Em meio a Pandemia da Covid-19, Brasília foi surpreendida com a notícia da existência de criatórios clandestinos de serpentes silvestres e exóticas – possivelmente fruto de tráfico de animais – e até de espécimes marinhas, como tubarões e moreias. Se esses fatos já provocaram espanto em muita gente, pior é a notícia de que alguns dos espécimes apreendidos e transferidos ao Jardim Zoológico de Brasília correm risco de vida, pois poderão ser sacrificados. Isso sim, seria o fim da picada.
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Em depoimento à imprensa e em redes sociais, o biólogo e diretor de répteis e anfíbios do Zoológico de Brasília, Carlos Eduardo Nóbrega, admitiu a eutanásia de alguns animais, como a víbora-verde-de-vogel (Trimeresurus vogeli). Seria uma opção pelo fato de não haver antídoto para o veneno dela no Brasil. A serpente, da mesma forma como a Naja Kaouthia, também apreendida, é natural da Ásia. Ora, que se importe uma quantidade suficiente de soro antiofídico adequado, de forma a dar proteção aos profissionais do Zoo.
Até agora, dentre espécimes silvestres e exóticas, o Jardim Zoológico recebeu mais de 30 serpentes e outros animais, tais como tartarugas e jabutis. Segundo a Polícia Militar Ambiental, dentre as apreendidas, além da Naja (popularmente conhecida como Naja de Monóculos) e da Víbora Verde, se destacam uma Cobra-Rei (king snake) albina e outras king snakes tradicionais, comuns nos Estados Unidos e no México. Há também espécimes de cobra-papagaio – típica da Região Amazônica – e de cascavel (réptil presente nas três Américas). Animais silvestres, como a jiboia arco-íris, também apreendida, eventualmente, poderão voltar à natureza. As serpentes exóticas, contudo, não podem ser introduzidas no meio-ambiente. Também não há como repatriá-las, até porque não se sabe a procedência exata e há, inclusive, a suspeita de que algumas já nasceram em território brasileiro, a partir de ações do tráfico de animais que movimenta anualmente mais de R$ 20 bilhões. Internacionalmente, o tráfico de animais só não é mais rentável do que o tráfico de drogas, armas e seres humanos.
Certa vez, em visita à Alemanha, me surpreendi com o zoológico de Berlim. Em um país que enfrenta temperaturas abaixo de zero, há uma ala toda voltada a Amazônia Tropical, inclusive com tanques com piranhas, botos e jiboias. A afirmação do biólogo de sacrificar serpentes exóticas contraria toda a filosofia dos renomados zoológicos mundo afora. Instituições desse porte buscam possuir espécimes dos cinco continentes do Planeta. Não só porque propiciam uma maior atração de visitantes e turistas, mas principalmente por permitir a pesquisa científica mais ampla.
O GDF precisa pensar grande. A oportunidade é única. Muito provavelmente, o Zoológico de Brasília tornar-se-ia um dos raros no Brasil a ter condições de expor e estudar tais animais, favorecendo inclusive na retomada do turismo para a Capital Federal. O Instituto Butantã, em São Paulo, possui um único exemplar de Naja. Entretanto, em sendo de total impossibilidade a manutenção desses animais no DF, certamente outros instituições no Brasil ou no mundo teriam interesse em recebê-las. Até, quem sabe, o próprio Butantã, notabilizado pela produção de soros antiofídicos. O Ibama parece não concordar som o sacrifício dos animais. Afinal, fazer, como disse o biólogo, a eutanásia nelas – termo que consideramos inapropriado, pois eutanásia se aplica a seres sem perspectiva de vida – demonstra total falta de visão.

Aquário
Da mesma forma, pode se agir com os animais marinhos encontrados no Riacho Fundo. Desde 2011, o GDF estuda a criação no Zoológico de um aquário. Os dois tubarões e a enguia aprendida poderiam ser o embrião desse projeto. Em Orlando, a Disney reconstituiu a Floresta Amazônica. O mesmo fez a cidade de Vancouver, no gélido Canadá. Lisboa também construiu um grande aquário, onde os visitantes passeiam por de baixo dos animais, inclusive sul-americanos. Porque não trazer umas gotinhas do mar pro Planalto Central?
Darcy Ribeiro defendia a criação em Brasília de um Museu Natural. Infelizmente, a ideia nunca saiu do papel. Além das contribuições científicas e educativas, uma iniciativa deste porte poderia incrementar o turismo no Distrito Federal. Brasília carece de um espaço como esse. Melhor ainda, se esse espaço for vivo, não apenas composto por fósseis e esqueletos. Além disso, o Zoológico com essas iniciativas pode pensar mais alto. Porque não uma Faculdade de Zoologia? Ideias e propostas não faltam. O que não se pode é se render a soluções cruéis e simplistas como matar os animais recuperados.