De uma só tacada, a parlamentar, que foi contra ao isolamento social no período crítico da Pandemia e se posicionou contra mecanismos de maior proteção aos motoristas de aplicativo, altera dispositivos constantes em seis diferentes legislações vigentes no Distrito Federal. São afetadas regras que tratam desde a fiscalização da poluição sonora, da gestão dos resíduos sólidos, da gestão dos recursos hídricos até a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos.

Por Chico Sant’Anna

Em tempos de Amazônia degrada, de ineficiência dos mecanismos federais de fiscalização e penalização dos agressores do meio-ambiente, a deputada distrital Julia Lucy (União Brasil) decide trazer para o Distrito Federal a flexibilização das penalização e fiscalização ambientais. Baladas em alto e bom som, uso indevido de agrotóxico, captação irregular de água, gestão do lixo. Tudo isso pode ser alvo de uma fiscalização ainda mais precária na Capital Federal. Além disso, a parlamentar propõe que o agente público, responsável pela fiscalização, possa ser responsabilizado via processo administrativo – o que pode gerar até demissão – nos casos em que as sanções ou penalidades forem consideradas flagrantemente ineptas. E nesse caso, o GDF seria responsável em ressarcir os eventuais prejuízos “causados por intervenções indevidas nos estabelecimentos comerciais, sendo devida a reparação de danos materiais decorrentes, inclusive lucros cessantes”.

Projeto de Julia Lucy (UB) altera seis leis ambientais do Distrito Federal. São afetadas regras que tratam desde a fiscalização da poluição sonora, da gestão dos resíduos sólidos, da gestão dos recursos hídricos até a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos.

Seis leis alteradas

De uma só tacada, a parlamentar, que foi contra ao isolamento social no período crítico da Pandemia e se posicionou contra mecanismos de maior proteção aos motoristas de aplicativo, altera dispositivos constantes em seis diferentes legislações vigentes no Distrito Federal. São afetadas regras que tratam desde a fiscalização da poluição sonora, da gestão dos resíduos sólidos, da gestão dos recursos hídricos até a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos.

Consultor jurídico de associações comunitárias do Lago Sul, Norte e Park Way, o advogado Paulo Cunha, considera a iniciativa mais um passo do “rolo compressor, que nos últimos anos busca flexibilizar importantes normas ambientais, visando atender apenas interesses privados”. No meio jurídico, há quem veja nessa inciativa mais do que a mera insensibilidade; representando uma verdadeira provocação, senão perversidade, quando os brasileiros ainda se recuperam dos terríveis assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.

Em sua justificativa, a parlamentar alega ser necessária a simplificação e racionalização dos processos para conferir a devida segurança jurídica aos empresários, “responsáveis pela geração de renda e empregos para o Distrito Federal”. Juristas consultados têm uma avaliação diferente. Para esses, o projeto de lei concretiza o projeto político de se “passar a boiada” sobre o aparato jurídico candango de proteção ambiental. “Corrobora as ações do governo federal de enfraquecer até o estrangulamento do aparato de fiscalização e repressão aos ilícitos ambientais. Cria dificuldades para os processos de sanção e ameaça os servidores responsáveis pela fiscalização, já excessivamente escassa e precária” – comenta um especialista em direito ambiental.

“Simplificações”

Dentre as simplificações que a distrital se refere, está o caso dificultar a penalização por reincidência de uma mesma irregularidade. Essa só poderia ocorrer um ano após a primeira autuação. Ou seja, quem joga lixo de maneira errada, ou opera com níveis sonoros acima dos limites suportáveis ao ser humano poderia continuar na irregularidade por mais doze meses, sem qualquer risco de vir a ser penalizado. A lei permitiria ainda, que um gato na rede pública de água, ou mesmo a captação irregular de águas direto nas fontes hídricas, se perpetue por um ano.

No caso de poluição sonora, a lei estipula que simultaneamente à autuação deva ser apresentado um laudo técnico sobre o ruído sonoro. Tradicionalmente, fiscais atuam com uso de decibelímetros, aparelhos digitais que medem o nível de pressão sonora, homologados pelo Inmetro. Constatando-se níveis acima do que a lei permite, aplica-se a devida autuação. A exigência da parlamentar criaria uma burocracia para dificultar a ação fiscalizadora.

Para o presidente da Associação Comunitária do Park Way, José Joffre Nascimento, caso aprovada, a lei vai trazer insegurança jurídica para as empresas, devido a maior parte da legislação estar inseridas em códigos e leis federais”

“O PL de Julia Lucy vem na contramão da atualidade; as leis de proteção Ambiental foram concebidas pensando nas gerações futuras. As próprias empresas estão buscando cada vez mais o devido respeito ao meio ambiente” – diz ele.

Melindre

Ao propor a penalização do agente público, seja o Estado, seja o fiscal, a parlamentar melindra o livre exercício do Poder Público naquilo que é seu dever, ou seja, fazer com que as leis sejam respeitadas. Se atualmente já é difícil ver ações de fiscalização do DFLegal, do Ibram ou mesmo de órgãos como Adasa, entidades esperam meses por uma ação fiscalizadora, com essa lei, a situação ficará ainda mais complexa. Tanto o Ibram, quanto a Promotoria de Defesa do Meio-ambiente, do Ministério Público, alegaram que não comentam projetos de lei em tramitação. O presidente da Adasa, Raimundo Ribeiro, desconhecia o projeto e demandou a sua assessoria um estudo técnico e jurídico.

Presidente da Federação dos Conselhos Comunitários de Segurança (Feconseg), Flávia Portela, entende que a medida busca “cercear a atuação dos agentes fiscalizadores”. “Como se fosse culpa deles a falta de condições mínimas para um estabelecimento funcionar. Como se fosse culpa deles as invasões contumazes de áreas públicas nessa cidade. Mais uma vez o assunto é tratado apenas sob uma ótica, a da geração de empregos, a do entretenimento, em detrimento de dos direitos da vizinhança, em detrimento ao bem estar de toda uma cidade” – diz ela, lembrando que o projeto beneficia estabelecimentos que geram poluição sonora e que são próximos a residências, escolas e hospitais e que, há mais de 80 anos, perturbar o sossego alheio é crime federal, previsto no artigo 42 do Decreto-Lei nº 3.688/1941.

Procurada, a deputada reafirmou seus propósitos, mas salientou que está aberta a ser convencida do contrário e aberta pra conversar com quem quer que seja.