Estudo da empresa In Loco mostra que desde o “passeio da morte”, feito pelo Presidente no domingo (29/3), muita gente na Capital Federal abandonou o isolamento contra o coronavírus.

Por Chico Sant’Anna

O passeio dominical do presidente Jair Bolsonaro, dia 29 de março, por Ceilândia, Taguatinga e Sudoeste, deixou marcas e alterou o comportamento social da população local. Embora o Distrito Federal venha apresentando os mais altos índices de isolamento social dentre as Unidades da Federação – atrás de Goiás e Rio Grande do Sul -, esses indicadores, após o périplo presidencial, apresentaram queda substancial, especialmente naquelas três localidades. É o que aponta levantamento elaborado pela empresa In Loco, que monitora pelo GPS a movimentação das pessoas que usam telefone celular.

A In Loco usa uma tecnologia que analisa o comportamento de localização de 60 milhões de brasileiros em todo o País. Ela permite mapear a movimentação de pessoas dentro de regiões específicas e medir quais apontam maior distanciamento social. Ou seja, aquelas que estão saindo de casa e não estão respeitando a orientação de permanecer em quarentena.

O Distrito Federal já foi a Unidade da Federação com o maior nível de isolamento social, mas a população tem flexibilizado seu comportamento e hoje o DF está em terceiro lugar. Fonte In Loco

Pelo passeio, o presidente pode ser obrigado a pagar uma multa de R$ 100 mil, caso a Justiça acate uma ação do Ministério Público Federal. Para o MPF, Bolsonaro desrespeitou outra decisão judicial da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias (RJ), que o impedia de adotar qualquer estímulo à não observância do isolamento social recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Esse gráfico aponta o comportamento da população do DF até o dia 5 de abril. Fonte: In Loco.

População perdeu o respeito pelas orientações da OMS

As preocupações do MPF têm sua razão de ser e os reflexos no comportamento de Bolsonaro podem ser aferidos tecnicamente. Pelo levantamento, no dia 29 em que o Presidente fez seu périplo, o DF atingiu o maior grau de quarentena domiciliar: 64,14% das pessoas monitoradas.

A partir de então, houve uma queda significativa das taxas daqueles que tinham optado pelo recolhimento. O índice chegou a cair para 53,31%, no dia 1º de abril, oscilando entre 55% e 57% nos dias subsequentes e apresentando ligeira melhora, no dia 4, quando subiu para 59%.

Ou seja, a população do DF não conseguiu, após o passeio do Presidente, retomar o grau de respeito às orientações do Ministério da Saúde e do GDF. Além da disciplina ter diminuído, verificaram-se manifestações explicitas contra a quarentena. Carreatas e outros tipos de manifestações reivindicando o fim do isolamento social foram organizadas por simpatizantes de Bolsonaro desde sua “saidinha”.

Na Ceilândia, o dia de maior isolamento social foi no dia 21 (coluna branca). A partir do dia 29 (coluna amarela), dia do passeio presidencial, a adesão ao recolhimento caiu.

A situação das três localidades – que no dia 6 de abril respondiam por 11,6% dos 440 casos de covid-19 catalogados -, não foi diferente do resto do DF. Em Ceilândia, o maior grau de adesão ao isolamento social ocorreu no dia 22 de março, quando 68,2 % da população local acataram o #FiqueEmCasa.

No dia da visita presidencial, o índice ainda era de 66,53%. A partir de então, a adesão começou a cair e a olho nu era perceptível um maior volume de pessoas nas ruas. Essa movimentação apareceu nos computadores da In Loco. No dia 1º de abril, o apoio popular às orientações das autoridades de saúde havia caído 16%, tendo um apoio popular de apenas 55,63%.

A exemplo de Ceilândia, Taguatinga também teve o dia 21 como seu dia de maior recolhimento e a partir do dia 29, os moradores passaram a flexibilizar o isolamento. Fonte In Loco.

Em Taguatinga, no dia 29 de março, cerca de sete entre cada dez moradores estavam recolhidos às residências. A taxa de 68,93% caiu abruptamente após a ida de Bolsonaro e, no dia 3 de abril, registrava 59,38%. Os números revelam que a cada 100 pessoas que estavam em seus lares, quase 10 decidiram ir às ruas, aventurando-se à contaminação do coronavírus.

Também no Sudoeste, a população passou a deixar suas residências após a visita de Bolsonaro. Do dia 29 (coluna amarela) até o dia 1º a queda de disciplina foi grande. Fonte In Loco.

Sudoeste – O Setor Sudoeste, associado à Área Octogonal, é a quarta Região Administrativa onde mais casos de covid-19 foram diagnosticados. Perde para o Lago Sul, Plano Piloto e Águas Claras. Todos bairros de classe média, com bom acesso às fontes de informação e elevado nível de escolaridade.

Mesmo assim, em grande parte do mês de março, menos da metade dos moradores do Sudoeste aderiu à quarentena. Os indicadores passaram a ser um pouco melhores após o dia 20, chegando ao pico de 68,43% no dia 22. Na véspera do passeio presidencial, quase sete em cada dez moradores ainda estavam dentro de casa.

Como nas duas outras localidades, parece que a partir da “saidinha” de Bolsonaro os moradores se sentiram autorizados a deixar suas casas, a ponto que no dia 1º de abril a taxa havia caído para 51,85. De cada 100 moradores do Sudoeste/Octogonal que estavam quietinhos em casa, 17 foram bater perna nas ruas.

Evitar o contato é essencial

A importância da reclusão domiciliar é para evitar o contato de pessoas sãs com outras contaminadas. A doença é transmitida pelo contato e até por gotículas respiratórias. E antes mesmo de apresentar os sintomas – o que leva, em média, 14 dias –, o portador do coronavírus pode contaminar várias pessoas, sem nem saber.

Com mais gente indo às ruas, a chance de contaminação se amplia. Por isso, é fundamental que todos se conscientizem, pois, no caso de uma multiplicação desenfreada de casos de covid-19, a rede de Saúde, inclusive a privada, não dará conta de atender a todos.

Não há leitos de UTI suficientes para atender uma multidão de pacientes. O Impacto desse afrouxamento no isolamento social poderá ser verificado daqui a uns quinze dias, período médio de incubação da doença.

Os indicadores de isolamento social coletados pela In Loco reforçam o velho ditado, que não basta falar, é preciso fazer, é preciso mostrar, dar o exemplo. É ingenuidade pensar que o comportamento de uma pessoa que ocupa o posto máximo da Nação não vai afetar o comportamento de outras pessoas.

Além da questão partidária, de seus apoiadores – muitos fanáticos que saíram pelas ruas de Brasília reforçando a atitude de Bolsonaro –, existe a questão do exemplo. Ora, se o Presidente passeia, vai à feira, ao comércio, se expõe no contato direto com populares e nem usa máscara, por que eu não posso sair também? O pior é que muitos não conseguem visualizar o impacto dessa doença avassaladora!