Além de trabalhar como o uso de documentação fria, a grilagem se aproveita da decisão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF, que considerou, em 2007, inconstitucional a lei n.º 614, de 2002, de autoria do então deputado Chico Floresta (PT), que instituía o Parque. Foto: Pedro Braga Netto/Acervo do Instituto Brasília Ambiental.

Além de trabalharem como o uso de documentação fria, a grilagem se aproveita da decisão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF, que considerou, em 2007, inconstitucional a lei n.º 614, de 2002, de autoria do então deputado Chico Floresta (PT), que instituía o Parque.

Por Chico Sant’Anna

A Vara do Meio Ambiente determinou que o GDF e a Terracap coíbam a grilagem de terra e a ocupação irregular em área do Parque Ecológico da Cachoeirinha, na região Administrativa do Paranoá. O local, além de sua importância ambiental, abriga um dos mais relevantes sítios arqueológicos já identificados no Distrito Federal. Na invasão, foram contabilizadas cerca de trinta edificações, algumas sobre frações de lotes com área superior a três mil metros quadrados.

A ocupação é recente, iniciada há uns quatro anos, mas vem se multiplicando rapidamente. Relatório do DFLegal atesta que o local “está totalmente piqueteado com várias perfurações no solo para receber novas estacas para cerca (em sua maioria constituídas por madeira retirada da floresta de pinus ali existente)”.

Além de trabalhar como o uso de documentação fria, a grilagem se aproveita da decisão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF, que considerou, em 2007, inconstitucional a lei n.º 614, de 2002, de autoria do então deputado Chico Floresta (PT), que instituía o Parque.

A parea fica no Núcleo Rural Desembargador Colombo Cerqueira, aos fundos da cidade do Paranoá e de frente para o Rio São Bartolomeu, logo após a Barragem. Foto: Pedro Braga Netto/Acervo do Instituto Brasília Ambiental.

O local propicia uma vista estupenda para o cânion do São Bartolomeu, fica no Núcleo Rural Desembargador Colombo Cerqueira, aos fundos da cidade do Paranoá e de frente para o Rio São Bartolomeu, logo após a Barragem.

Desde 2018, a ocupação irregular vem sendo monitorada e, em 2021, a primeira e segunda promotorias do Meio-Ambiente do Ministério Público – Prodema decidiram ingressar com ação civil pública, pedindo que a Terracap, como gestora das terras públicas do DF, e o próprio GDF assegurem a incolumidade da área.

Segundo a ação, o local abriga importante curso d’água, integrante do sistema da Bacia Hidrográfica do São Bartolomeu. Sendo que dali, inclusive, a Caesb retira água para abastecer parte da população circunvizinha e ressalta que a qualidade e a quantidade d’água “já vem sendo ameaçada pela poluição e assoreamento decorrentes da irresponsável e insensata ocupação que vem sendo empreendida na região”.

Embora tenha perdido sua condição de Parque, a importância do local não foi descartada. Pelo contrário, há uma proposta de ali se instalar um Refúgio de Vida Silvestre. Estudo feito pelo Instituto Brasília Ambiental – Ibram, em 2019, visando a retomada da condição de unidade de conservação para a área, destaca a riqueza do local, inclusive para fins arqueológicos, já que ali há indícios da existência de cavernas e da presença de seres humanos há mais de oito mil anos.

Há cerca de 1,5 km da área que a Justiça determinou agora a desocupação, foram encontrados vestígios da presença, há mais de oito mil anos, de grupos humanos que atuavam como caçadores e coletores, nômades.

Oito mil anos

O arqueólogo Edilson Teixeira foi um dos primeiros a pesquisar em mais profundidade aquelas imediações. Há cerca de 1,5 km da área que a Justiça determinou agora a desocupação, ele encontrou vestígios da presença, há mais de oito mil anos, de grupos humanos que atuavam como caçadores e coletores, nômades que vagavam pelas terras em busca de alimentos e que ainda desconheciam a agricultura.

“Pelo sítio Cachoeirinha devem ter passados inúmeros grupos em distintos períodos, para extrair a rocha local, que era boa para o lascar” – comentou a essa coluna o arqueólogo, em 2020. Teixeira salienta agora que essa área alvo da decisão judicial ainda não foi investigada arqueologicamente, mas que “a região apresenta grande potencial”.

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O córrego Cachoeirinha, que dá nome ao parque, é bem encachoeirado, com pequenas quedas d’água entremeadas de poços e piscinas naturais. A principal cachoeira se lança de uma rampa inclinada de lajeado de rocha, de grande beleza cênica. Não é só a beleza das cachoeiras que encanta o local. O Estudo do Ibram aponta uma riqueza da flora, inclusive de espécimes em situação sensível de preservação, algumas até sob risco de extinção no Brasil como um todo. Dentre essas espécimes em condições de vulnerabilidade cita o Babaçu, a Jussara, Catuaba do cerrado, Arnica do campo e a Sucupira-roxa.

Em sua sentença, o juiz Carlos Maroja, da Vara do Meio Ambiente, determina que Terracap e demais instâncias do GDF façam, em trinta dias, a identificação de todas as edificações existentes no local e da infraestrutura ali implantada. E findo esse processo, em mais 90 dias concluam a desobstrução total do local.