Vice-diretora do CEF 1 da Estrutural – escola que foi militarizada pela programa implantado pelo governador Ibaneis Rocha, e pelo então secretário de Educação, Rafael Parente -, a professora Luciana Martins, não quis comentar a iniciativa da entidade representativa dos oficiais da PM. “Não tenho nem palavras para comentar essa afronta à ação pedagógica – disse ela.

Por Chico Sant’Anna

Foi parar na justiça o caso dos cartazes alusivos ao Dia da Consciência Negra feitos por alunos do Centro de Ensino Fundamental nº 1, uma escola pública da Cidade Estrutural. A Associação dos Oficiais da Polícia Militar do DF (ASOF–DF) ingressou com ação na Vara da Fazenda Pública contra o governo do Distrito Federal, pedindo uma reparação da imagem da corporação por danos morais no valor de R$ 50 mil. A escola é uma das primeiras que teve a gestão militarizada pelo governo de Ibaneis Rocha.

A programação organizada pela escola para o dia 20 de Novembro foi variada. Incluiu a produção de ilustrações – tirinhas, cartazes e painéis – representando o dia da Consciência Negra – material que foi exposto em murais espalhados pela escola. Além dos cartazes, a programação incluiu rodas de capoeira, oficinas de penteados afros, painéis fotográficos com fotos dos próprios estudantes negros, homenagens a Zumbi dos Palmares, enfim, atividades que combatessem a discriminação racial e defendessem a igualdade de direitos.

Não é assim que a associação dos oficiais da PM entendeu. Ela afirma que a programação resultou numa “mensagem preconceituosa contra a corporação”. “Vários dos painéis expostos em toda a escola traziam a ilustração de policiais militares abordando pessoas negras, de forma flagrantemente autoritária, coercitiva e punitiva, evidenciando uma imagem distorcida e preconceituosa do trabalho realizado pela polícia, muito diferente do cenário preconceituoso representado naqueles desenhos. […] chamou especial atenção e gera irremediável irresignação e repúdio a ilustração inequívoca de um policial militar fardado, onde, junto à sigla “PM” desenhou-se o símbolo da suástica, representativa do Nazismo Alemão” – descreve a ação que corre na 7º Vara da Fazenda Pública.

Carlos Latuff

A colagem que irritou os policiais militares do Distrito Federal foi feita por uma aluna da 8ª serie, é um pedaço de cartolina em que três charges já divulgadas em outros meios de comunicação foram nele coladas. As charges são de autoria do renomado chargista Carlos Latuff, conhecido pelo seu engajamento nas lutas sociais.

Latuff já foi ameaçado de morte por fazer críticas contundentes à Polícia MIlitar. Em seu perfil no facebook, ele comentou que “ao longo dos meus 23 anos de profissão como cartunista, já fui detido três vezes por desenhar contra a truculência da polícia brasileira, e já recebi inúmeras ameaças, seja de judeus sionistas por conta de minhas charges em favor dos palestinos, seja de extremistas muçulmanos pelas minhas charges sobre a questão egípcia e síria. Portanto, ameaças fazem parte do meu trabalho”.

Sobre a militarização das escolas no DF, leia também:

Ao lado das três charges, um texto manuscrito diz que a data da Consciência Negra “é considerado importante no reconhecimento dos descendentes dos africanos e da construção da sociedade brasileira. A datam dentre outras coisas, suscita questões sobre racismo, discriminação, igualdade social, inclusão de negros na sociedade e a cultura afro-brasileira, assim como a promoção de fóruns, debates e outras atividades que valorizam a cultura africana”. Vale ressaltar que não há qualquer menção a policiais militares do Distrito Federal. Pelo contrário, elas trazem marcas identirárias que lembrar a corporação do Estado de São Paulo, como a inscrição Rota, uma das tropas da PM de SP que mais matam, segundo noticiou o portal G.1.

Para o chargista, que promete visitar a escola da Cidade Estrutural, existe um existe um esforço para calar vozes que discutem a violência policial’. “O Brasil é um país racista e a máquina que mais mata e prende o povo no Brasil é o Estado. É uma máquina de moer gente preta e pobre. E como isso acontece? Através do seu braço armado. Quem é o seu braço armado? É a polícia” disse ele ao site Ponte.

Em 2019, quando da militarização do CEF 1, um painel grafitado com a imagem de Nelson Mandela foi apagado pelos militares.

Mandela

Essa não é a primeira vez que a questão de negritude gera desentendimentos no CEF 1 da Estrutural. Como registrou o portal do G.1, a mesma escola já havia chamado a atenção quando, em 2019, os militares apagaram um grafite com o rosto do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela – ícone da luta pela igualdade racial – que havia sido pintado em um muro, antes da gestão militarizada da PM.

O episódio lembra outro, ocorrido, em 2013, no Caic Unesco, em São Sebastião. Na ocasião, grafites com críticas sociais produzidos pelos alunos com apoio do Instituto Metamorfosis foram alvo de censura por parte da secretaria de Educação. As ilustrações traziam a visão dos jovens sobre a política brasileira, a qualidade do ensino, demandas por igualdades sociais. O assunto também foi parar na justiça, que garantiu a manutenção dos grafites nos muros da escola.

Para mais detalhes sobre o episódio no Caic Unesco, leia:

Afronta à ação pedagógica

Vice-diretora do CEF 1 da Estrutural – escola que foi militarizada pela programa implantado pelo governador Ibaneis Rocha, e pelo então secretário de Educação, Rafael Parente -, a professora Luciana Martins, não quis comentar a iniciativa da entidade representativa dos oficiais da PM. “Não tenho nem palavras para comentar essa afronta à ação pedagógica – disse ela à coluna.

À época do ocorrido, à imprensa, ela explicou que a intenção da escola, com a atividade, não era promover ataques, mas provocar a reflexão e valorizar a beleza negra e a cultura africana.

Para a ASOF–DF a vice-diretora não é responsável pelo conteúdo dos cartazes, mas deveria ter agido no sentido de “enaltecer a segurança publica ou, pelo menos, não permitir a condenação social da classe dos nossos policiais ‘em praça pública’. Não há como enxergar cunho educativo neste verdadeiro atentado à dignidade dos policiais militares do DF”. Embora reconheça que a censura é inconstitucional no Brasil, a entidade diz que o direito à liberdade de expressão não é um direito absoluto e que ele está limitado a “direitos de mesma hierarquia, a exemplo dos inerentes à dignidade da pessoa humana – tais como o nome, a honra, a imagem”.

O juiz Paulo Afonso Carmona acolheu a ação e mandou citar o Governo do Distrito Federal para que ele se defenda. A Procuradoria do DF é quem está defendendo a administração pública.