“Isso aqui – dizia Aparecido – está parecendo penteadeira de prostituta. Cada um vem e deixa um presentinho”, referindo-se à quantidade de monumentos e outros adereços que buscavam colocar na Praça dos Três Poderes .

Por Chico Sant’Anna


Imagine uma reunião de quase 300 pessoas, onde cada um tenta pautar a sua demanda, sem necessariamente um tema falar com o outro. Assim foi, mais ou menos, a audiência púbica que tratou do PPCUB. Fez lembrar declaração do ex-governador José Aparecido, com relação à Praça dos Três Poderes, antes de Brasília estar tombada.

“Isso aqui – dizia Aparecido – está parecendo penteadeira de prostituta. Cada um vem e deixa um presentinho”, referindo-se à quantidade de monumentos e outros adereços que buscavam colocar no local.

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Eloá Quadros, esposa de Jânio Quadros, mandou colocar o Pombal, em forma de prendedor de roupa. Os militares implantaram o Mastro da Bandeira, outros elementos foram sendo instalados ao longo dos anos, até que o GDF impediu qualquer novo adereço.

Na audiência do PPCUB, foi um pouco assim. Donos de hotéis, os chamados hotéis baixinhos, querem autorização pra fazer crescer seus imóveis até 35 metros de altura, o que permitiria edificações de até onze andares. Altura também é a demanda de moradores das casas da W. 3, que reivindicam o direito de colocar cercas altas para a proteção contra vândalos.

Donos de postos de gasolina querem ampliar o leque de atividades que podem desempenhar em seus estabelecimentos e a Polícia Militar quer o direito de construir um novo quartel para o 6º Batalhão, nas imediações do Setor de Embaixadas Norte.

Representantes do grande capital também estiveram presentes. Foi apresentado pleito para a mudança de gabarito de dois lotes, pertencentes às Confederações Nacionais da Indústria e a do Comércio. Se aprovado, o Setor Bancário Norte ganharia mais dois edifícios de porte semelhante aos existentes no Setor Bancário Sul.

Quem também clama por mudanças de gabarito são moradores da Vila Planalto. Para o local, que só deveria ter casas de um pavimento, reivindicam quatro andares e aumento da taxa de ocupação, que define a metragem que um imóvel que pode ser edificado nos lotes. Pela NGB 164/90, em lotes com área superior a 420 metros quadrados, o imóvel pode ter no máximo 210 m². Mas não é o que acontece lá e moradores pleiteiam o direito de fazer imóveis ainda maiores e mais altos.

E continua correndo por fora o projeto que altera o uso e a relação de atividades econômicas que poderão existir no Setor Comercial Sul.

Independentemente da procedência ou não das demandas, o que se questiona mais é a oportunidade e a forma de como elas são tratadas.

Oportunidade, pelo fato de a lei do PPCUB ser uma lei de preservação do que Lucio Costa já definiu para o Plano Piloto e não para alterar o uso do solo, que arrisca acabar com a setorização por ele definida pra cidade.

Forma, pois elas são apresentadas ao poder público, como se fossem as imagens que vemos nos filmes sobre a Idade Média, onde o plebeu comparece diante do Rei todo poderoso para fazer seu pleito. No alto do palco, o secretário de Desenvolvimento Urbano, Mateus Leone, ladeado por assessores e, curiosamente pelos representantes da Federação do Comércio e do Sindicato da Construção Civil. O motivo de essas duas entidades privadas terem direito de se assentarem ao lado do trono, ninguém sabe.

Ninguém sabe, também, o motivo de as secretarias de Meio Ambiente e a da Mobilidade Urbana não estarem presentes, acompanhando as potenciais alterações do Plano Piloto. Afinal, um novo prédio, um edifício mais alto, a mudança de destinos de uma área – de colégios para residências, como sugerem para as quadras 900 – tem reflexos em tudo. No transporte, nos estacionamentos, nas áreas verdes, na distribuição de espaços tão bem pensada e definida por Lucio Costa, a ponto de ter sido o vencedor de um certame internacional para o melhor projeto de Brasília.


Adiamento

Atendendo à recomendação do Ministério Público, que chegou a sugerir a suspensão da audiência, realizada no dia 19, perdeu seu caráter legal de audiência pública, como estipula a lei. Foi tecnicamente considerada apenas uma reunião.

Uma nova audiência deve ocorrer entre janeiro e fevereiro, o que forçou a postergação do envio do PPCUB para a Câmara Legislativa para 2023. O GDF queria enviar até o fim de novembro, mas serão os futuros distritais que darão a palavra final sobre a preservação de Brasília.

A Seduh também terá que trazer a público, com uma antecedência de 30 dias da próxima audiência, os estudos técnicos referentes aos impactos ambientais, de trânsito, de vizinhança e econômicos de cada alteração proposta.

Trata-se de uma exigência legal, que entidades representativas de moradores do Plano Piloto e da área de amortecimento da área tombada exigiram e por conta da recomendação do MP, o governo terá que atender.

Também foi solicitada a mudança dos modelos dessas audiências. Que elas sejam realizadas de forma fatiada, por temas, para que a “penteadeira” de José Aparecido não venha se repetir com a miscelânea de assuntos desconexos entre si. Mateus Leone admitiu a possibilidade de fazer uma reunião especifica para tratar da Vila Planalto, mas em relação à próxima audiência formal, prometeu apenas estudar o caso.

Até lá, urbanistas, associações comunitárias continuam se mobilizando para traduzir as mais de 500 páginas do projeto e avaliar seus impactos. Além disso, todos devem ficar atentos, pois há outros fronts de embate.

Ao mesmo tempo em que analisa o Plano Piloto, a Seduh encaminha o projeto que permitirá a privatização das áreas verdes limítrofes aos lotes do Lago Sul e Norte. Mais uma agressão à concepção de cidade parque, pensada por Lucio Costa para Brasília.