Moradores e especialistas criticam açodamento e falta de transparência na proposta elaborada pelo GDF. Alterações fundiárias e criação de novos lotes na área Monumental do Plano Piloto e, inclusive, em áreas de lazer de entrequadras preocupa entidades representantivas das comunidades de Brasília. Ilustração de TT Catalão (Novembro de 2013).

Por Chico Sant’Anna

A disputa está em campo. Não, não é o futebol. O embate é entre a sociedade e especulação imobiliária que voltou a campo. Num processo considerado açodado, o GDF realiza no sábado, véspera da abertura da Copa do Mundo, audiência púbica que vai submeter à sociedade o Projeto de Lei Complementar que institui o Plano de Conservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB. Urbanistas, juristas, especialistas e associações representativas de moradores questionam o texto. Alegam que no lugar de propor regras para preservar o projeto urbanístico de Lucio Costa, considerado pela Unesco como Patrimônio Histórico da Humanidade, o PLC deturpa as ideias do criador de Brasília, rompe inclusive com princípios básicos da divisão da cidade em setores. Também a Rede Sustentabilidade, coletivo capitaneado pelo Ministério Público e que reúne associações focadas na mobilidade urbana, pretende intervir na análise dessa proposta.

Representação assinada por arquitetos e entidades comunitárias, em especial de moradores do Plano Piloto, já foi protocolada na 4ª Promotoria da Ordem Urbana de Brasília – Prourb. Ela remarca que o GDF propôs “um plano de desenvolvimento urbano” e não um projeto de conservação e preservação do Patrimônio Histórico Mundial. “Insiste em ignorar normas fundamentais, em especial de âmbito federal e internacional, e em desconformidade à Lei Orgânica do DF, incluindo alterações de uso e normas urbanísticas com sérios desdobramentos” – assinala a representação. Esse mesmo posicionamento será levado à Unesco, em Paris, a quem cabe zelar internacionalmente pela preservação de Brasília.

Questionamentos são muitos. Primeiro focam a pressa do GDF, em fazer a população deliberar em apenas em uma tarde. O projeto tem mais de 500 páginas, dezenas de anexos, mapas, tabelas codificadas, uma linguagem que mesmo urbanistas têm dificuldade de entender. O GDF levou anos para elaborar esse PLC e mesmo o Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan), formado por técnicos especialistas, levou, pelo menos, duas dezenas de reuniões para concluir suas análises. Seria exigir muito que a sociedade civil deliberasse em poucas horas.

Leia também:

As entidades cobram transparência da secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – Seduh. Querem uma tabela comparativa como é hoje e como ficaria se aprovado o PLC. Exigem estudos de impacto ambiental, de vizinhança e de trânsito que tais medidas irão produzir. Nesse PLC, o GDF flexibiliza a proibição já existente de cabos e fios aéreos no Plano Piloto. Apenas ao longo da avenida W.3 e no interior das quadras, os cabos seriam forçosamente subterrâneos. As novas regras podem transformar as avenidas W.4, W.5, L.2, L.4 e mesmo os eixos rodoviários em imensos corredores de cabeamento aéreo. Cidades do Brasil inteiro estão investindo para enterrar seus cabos. São Paulo, apenas para enterrar cabos de telecomunicações em 24 ruas, gasta R$ 170 milhões. Não é possível aceitar tamanho retrocesso em Brasília.

Leia aqui a íntegra do teor da representação encaminhada ao Ministério Público

A proposta do PPCUB prevê novos lotes na área Monumental do Plano Piloto, inclusive nas proximidades da Praça dos Três poderes. Entre a Praça do Cruzeiro e a Rodoferroviária, o canteiro central do Eixo Monumental será retalhado para dar lugar a lotes, como o ocupado pelo Museu da Biblia. Foto de Breno Fortes.

Novos lotes

Enquanto o quadro comparativo não é fornecido, a decodificação preliminar do projeto já entendeu que o GDF pretende autorizar a construção de prédios residenciais nas quadras 900, ao longo da avenida W.5 Sul e Norte. Também nas áreas destinadas a praças públicas na Asa Norte, nas EQNs 703/704, 707/708 e 709/710, seriam criados novos lotes em espaços públicos comunitários, com grande impacto de vizinhança. Prevê ainda alteração fundiária na EQS 106/107, atrás do Cine Brasília, sem que se saiba o motivo ou destino. “Cada um desses ‘lotes’ deveria ser objeto de audiência pública especifica como a vizinhança imediata. Estão querendo passar o rodo no Plano Piloto”, comenta o professor de Arquitetura da UnB, Frederico Flósculo.

No Setor de Clubes Norte, são propostos dois novos lotes nas imediações do Clube da Aeronáutica. Também na área monumental, haveria novos lotes, esses de grande proporção. Alguns para atender o governo Federal, próximos ao Palácio do Planalto e ao TCU. O canteiro central do Eixo Monumental, entre a Praça do Cruzeiro a Rodoferroviária, seria retalhado para novas construções, a exemplo da área do Museu da Bíblia.

Concurso

O GDF propõe deixar para um futuro concurso o projeto de ocupação da área da Quadra 901 Norte, entre o Venâncio 3.000 e o Estádio Mané Garrincha. Em entrevista à CBN o titular da Seduh, Mateus Leandro, apontou para ali prédios de oito andares – dois acima das superquadras – e de uso misto: comercial e residencial. Também deixou para estudos futuros a eventual autorização de uso comercial das casas das quadras 700. As entidades são contra deixar “as coisas soltas assim”. Qualquer resultado do concurso teria que ser aceito.

Leia também:

Em 2013, o GDF ao elaborar uma proposta de PPCUB incluiu na poligonal uma grande área atrás da Rodoferroviária (em rosa no croqui superior). Na atual proposta (croqui inferior), essa área foi excluida. Fora das regras do Plano Piloto, essa exclusão poderá permitir um gabarito com prédios mais altos, espigões como de Águas Claras.

Qual Poligonal está valendo?

Poligonal é o termo técnico para definir a área que será abrangida pelo PPCUB. Estranhamente, há uma grande diferença entre a poligonal agora proposta e a que foi alvo de outro projeto, no governo de Agnelo Queiroz. A diferença está na exclusão de uma vasta área nas cercanias da Rodoferroviária. De propriedade do Exército, o espaço é cobiçado para a implantação de um bairro com 21 mil imóveis, para 63 mil habitantes – equivalente à população do Sudoeste. Fora do PPCUB, os imóveis ali erguidos não teriam que seguir os padrões do Plano Piloto. Poderiam ser espigões como em Águas Claras.

Outra dúvida das entidades é quanto aos puxadinhos. O novo PPCUB vai consolidar a ocupação irregular de áreas públicas no Plano Piloto, tanto comercial quanto residencial? Qual será a altura das casas nas 700? Essas dúvidas não ficaram claras para os moradores.

Especialista em legislação urbanística, a arquiteta Tânia Battella, assinala que o PPCUB tem o propósito de conservar o projeto que Lucio Costa elaborou e que foi alvo do tombamento. “Não se pode estar criando novas áreas, desconsiderar os setores, eles estão inseridos nos documentos de tombamento, alterá-los, criando novos lotes ou dando usos diferentes daqueles que Costa previu” – comenta.

Setor Comercial Sul

Como assinalado por essa coluna, a Seduh retirou do escopo do PPCUB a área do Setor Comercial Sul e já realizou uma audiência pública, à qual acorreram menos de trinta pessoas, dentre técnicos do governo e representantes da sociedade. O Conselho Comunitário da Asa Sul já representou à 4ª Prourb impugnando a audiência. Alega que o GDF não apresentou nenhum estudo de viabilidade econômica, de impacto sobre o meio ambiente, ao trânsito e à vizinhança e nas contas públicas. Questionam ainda o fato do SCS está sendo tratado de forma apartada ao PPCUB.

Sobre as mudanças urbanísticas no SCS, leia também:

A proposta do GDF prevê que no setor possam funcionar faculdades, oficinas mecânicas de automóveis e motos, manutenção de equipamentos de refrigeração, fábricas de massas, de cerveja e albergue sociais, dentre outras alterações de uso. Há um temor de que resíduos das fábricas e das oficinas acabem parando no Lago Paranoá, levados pelas galerias de águas pluviais.