A corte de contas diz que não foi demonstrado fundamentação que justifique repassar os serviços a uma empresa privada. O contrato a ser firmado não prevê a ampliação da rede do metrô ou construção de novas estações, que caso viesse a ocorrer, ficaria por conta do GDF. A regras de privatização propostas, segundo o TCDF, podem favorecer o direcionamento do resultado e apresenta sobrepreços superiores a R$ 1,4 bilhão. Foto André Borges/Agência Brasília

Por Chico Sant’Anna

Usuários do metrô da Capital Federal levaram um susto na terça, 14/9. O trem descarrilou quando chegava à Estação Central. Mais uma vez, o governador Ibaneis Rocha, que em campanha garantiu não privatizar as estatais do Distrito Federal, anunciou como a única solução para o Metrô, a sua entrega à iniciativa privada. Ibaneis alega que o GDF não tem recursos para investir no Metrô. Só que o projeto de privatização que ele anuncia é sob o modelo de concessão patrocinada. Traduzindo: a iniciativa privada faz o serviço e o GDF paga. Assim mesmo, Ibaneis não verá o Metrô privatizado na rapidez que deseja. Depois de ver o freio-de-mão puxado pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF) sobre a licitação do VLT – revelado com exclusividade por essa coluna – o GDF se depara agora com outro breque. Desta vez, na privatização da gestão, operação e manutenção do Metrô. Trata-se de uma concessão que, a valores de setembro de 2019, poderá render à empresa escolhida R$ 12,977 bilhões, ao longo de 30 anos. O contrato a ser firmado não prevê a ampliação da rede do metrô ou construção de novas estações, que caso viesse a ocorrer, ficaria por conta do GDF. A proposta, segundo o TCDF, pode favorecer o direcionamento do resultado e apresenta sobrepreços superiores a R$, 1,4 bilhão.

Para mais detalhes sobre a decisão do TCDF sobre o VLT, leia:

A corte de contas diz que não foi demonstrado fundamentação que justifique repassar os serviços a uma empresa privada. Não há “estudos que evidenciem ser vantajosa à sociedade e à Administração”. O contrato não tem por base os quilômetros percorridos, mas sim a quantidade de passageiros transportados, à razão de R$ 7,73. A receita da empresa escolhida se daria a partir dos gastos dos passageiros (receita de catraca). Como ela é será insuficiente, uma tarifa técnica a ser paga pelo GDF seria estipulada no início do contrato. A cada ano, a tarifa seria reajustada por uma combinação do IPCA e da alta do custo da eletricidade. Com base nela, o GDF complementaria o que tiver sido pago pelo passageiro e as subvenções referentes a idosos e estudantes que têm passe gratuito.

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O contrato a ser firmado não prevê a ampliação da rede do metrô ou construção de novas estações, que caso viesse a ocorrer, ficaria por conta do GDF. Foto de Antonio Cruz/Agência Brasil

A concessionária poderia alugar as salas e lojas existentes no interior das estações – coisas que o Metrô-DF não faz até hoje -, bem como cobrar por publicidade nos trens e nas estações. Além disso, os terrenos desocupados da Terracap vizinhos as estações também poderiam ser utilizados. Nesse ponto, o TCDF cobre maior detalhamento no edital e a concordância explicita da Terracap.

O modelo de negócio prevê o ressarcimento à iniciativa privada de todas as despesas realizadas, mais um retorno aos acionistas de 7,5%. Isso significa uma lucratividade de quase R$ 1 bilhão.

Confira aqui a coluna sobre Mobilidade em Brasília, veiculada na TV Comunitária do DF

Impropriedades

Publicado conjuntamente na coluna Brasília, por Chico Sant’Anna, no semanário Brasília Capital

Essa proposta da secretaria de Mobilidade do DF (Semob) para uma licitação internacional prevendo concessão patrocinada à iniciativa privada não passou pelo crivo técnico do TCDF. Toda a documentação foi analisada por uma equipe multidisciplinar de cinco analistas, que identificou “uma série de impropriedades que obstam a abertura do processo licitatório”.

Dentre as “impropriedades”, foram encontrados sobrepreços em diversos itens. Somados, só nos custos de gestão e manutenção, eles ultrapassam a R$1,4 bilhão. Se materializados, representariam, na prática, um superfaturamento. O relatório técnico compreende 192 páginas e, por recomendação do conselheiro Renato Rainha – aprovada por unanimidade pelo pleno do TCDF -, já foi enviado ao GDF para as devidas correções e esclarecimentos.

Semelhante ao VLT, que teve os estudos técnicos elaborados por um consórcio liderado pela Viação Piracicabana, do clã Constantino, os estudos técnicos e o projeto de negócios do metrô foram elaborados por outra empresa de ônibus, a Urbi, de propriedade do consórcio goiano HP-Ita, em parceria com a Companhia do Metropolitano de São Paulo. A Urbi já opera a Bacia 3 do transporte coletivo em ônibus no DF, na qual viajam 50 mil usuários diariamente.

Pelos planos do GDF, a privatização deveria estar concluída entre 2023 e 2024, para que a estatal Companhia do Metropolitano do DF deixasse de operar o sistema. Além da gestão do sistema, ao longo de trinta anos, vinte novos trens seriam adquiridos e a atual frota revitalizada. Todas essas despesas, contudo, seriam ressarcidas em separado pelo GDF.

A meta é ampliar ao longo dos trinta anos de concessão o volume de passageiros, dos atuais 115 mil para cerca de 163 mil usuários/dia úteis e reduzir o intervalo entre os trens no período de maior demanda em aproximadamente 40% (de 215 para 130 segundos). Foto de Renato Araújo/Agência Brasília.

A meta é ampliar ao longo dos trinta anos de concessão o volume de passageiros, dos atuais 115 mil para cerca de 163 mil usuários/dia úteis e reduzir o intervalo entre os trens no período de maior demanda em aproximadamente 40% (de 215 para 130 segundos). O governo alega que o metrô apresenta hoje déficit operacional anual de R$ 245 milhões, sendo R$ 50,7 milhões referentes a gratuidades de idosos e estudantes, e mais a subvenção de R$ 195 milhões para cobrir a diferença dos custos para com a receita na catraca. Pelo projeto, esse déficit cairia para 150 milhões anuais.

Grande parte dessa economia se daria na redução das despesas operacionais, tendo como base menos gastos com os metroviários. A nova gestora do metrô teria seus próprios trabalhadores com quantitativos e com um padrão salarial menores do que os atualmente praticados. Ou seja, menos gente trabalhando e com salários menores. A redução dos custos operacionais é estimada em 134 milhões/ano. Na análise da equipe técnica, contudo, é questionando o destino da estatal Metrô-DF e de seus empregados e da não quantificação desses custos no processo de privatização.

Na prática, a proposta do GDF não prevê a privatização da Cia do Metrô, mas sim uma espécie de terceirização dos serviços prestados. Em 2020, 1.228 pessoas estavam ali contratadas. “Assim, a análise da economicidade da concessão não pode ser feita sem que sejam ponderados, também os custos de eventuais demissões e, caso a Metrô-DF continue a existir, seus custos de manutenção” – diz o relatório do TCDF que também descarta a possibilidade dos metroviários, ou parte deles, serem absorvidos nos quadros da secretaria de Mobilidade, pois configuraria uma burla a norma constitucional que exige concursos público.

O Metrô de Brasília atende a seis regiões administrativas do Distrito Federal. É operado pela Cia do Metropolitano do DF. Além da gestão do sistema, a proposta de privatização prevê, ao longo de trinta anos, a aquisição de vinte novos trens e revitalização da atual frota. Todas essas despesas, contudo, seriam ressarcidas em separado pelo GDF. Foto de Antonio Cruz/Agência Brasil

Frota

O Metrô possui dois conjuntos de trens: a Frota 1000, mais antiga, e a 2000, mais nova, com uso de tecnologia atual. No tocante à revitalização da primeira, o TCDF acusa que não estão claras às especificações técnicas que se deseja do produto final. Em relação a Frota 2000, os custos são apresentados sem nenhuma justificativa. “Os estudos apresentados para a reforma e modernização das duas frotas carecem de um detalhamento adequado. Que seja demonstrado por meio de estudos técnicos que a reforma da frota se mostraria alternativa viável, além de uma avaliação econômica comprovando a vantajosidade de se realizar a reforma dos referidos carros em detrimento da eventual aquisição de novos trens”. Além disso, são apresentados valores para implantar refrigeração nos vagões, quando estudo recente do próprio Metrô-DF apontou a inviabilidade técnica de se instalar ar-condicionado nos veículos.

Sobrepreços

A corte de contas afirma que os documentos técnicos apresentados pela Semob para fins de investimentos não atendem aos requisitos técnicos mínimos exigidos em lei. Nos serviços de reformas e manutenção das estações, o TCDF fez uma análise apenas sobre os itens mais onerosos. E comparando-os aos valores praticados pelo mercado, a surpresa foi gritante, de doer no bolso do contribuinte.

Nas despesas de mão de obra, orçada originalmente em R$ 876,2 milhões, o sobrepreço foi da ordem de R$ 271,8 milhões, ao longo do contrato. Na troca de pisos, limpeza das estações e conservação dos jardins, uma gordura de mais de R$ 85 milhões. No item limpeza técnica, outros R$ 62,5 milhões; nos contratos de pintura, mais R$ 113,6 milhões. E pra avaliar a opinião dos usuários, um sobrepreço de R$ 22,8 milhões em pesquisas de opinião.

Viabilidade financeira

Como grande parte da receita virá dos usuários, alguns pontos sobre a viabilidade financeira da concessão foram indagados. O primeiro deles é o impacto da Pandemia da Covid no volume de pessoas transportadas, bem como da implantação do VLT, simultaneamente. Além disso, o volume de receita de catraca dependerá de mudanças nas linhas de ônibus que passariam a ser alimentadoras do metrô. Para completar o trajeto, ele ficaria com a metade do que foi pago pelo passageiro ao entrar no ônibus. O TCDF não questiona, mas há de se saber se isso não resultará em mais despesas do GDF para com os subsídios às empresas de ônibus.

Legislação

Também foram identificadas falhas de base jurídica. A mais gritante diz que o contrato terá validade de trinta anos, mas a legislação distrital limita as concessões em dez anos. Uma nova lei teria que ser previamente votada pela CLDF. Também foram questionados os requisitos de qualificação das empresas interessadas em participar da licitação. Os fixados pela Semob foram considerados “injustificavelmente restritivos da competitividade”, o que poderia resultar em direcionamento do resultado em favor de um licitante especifico. É igualmente cobrada a ausência da definição de um órgão fiscalizador dos serviços prestados pela concessionária.

Relator

Relator desse processo no TCDF, o conselheiro Renato Rainha ressalta que a decisão de privatizar, ou não, não é do Tribunal e sim do GDF. “Mas se o governo decidir pela privatização, o TCDF vai fiscalizar para que a privatização ocorra de forma eficiente, dentro das regras da moralidade e com vantagem econômica para o Estado. Essa obrigação de conceder serviço público de transporte de qualidade é do Estado, independentemente de o serviço ser prestado pelo Estado ou se fizer uma concessão, ou uma Parceria Público Privada –PPP. Cumpre ao Estado zelar para que o transporte seja ofertado a população com tarifas baixas, com segurança, higiene e confiabilidade” – salienta.

Semob

A Semob informou que o parecer do TCDF está sob análise interna. Ressaltou que com a concessão do transporte metroviário, o GDF pretende estimular o uso do transporte público através de um modelo que possibilitará o aperfeiçoamento dos serviços prestados. E ainda, alcançar a redução significativa dos valores de subsídio público necessários à operação do sistema. Quanto a suspeição de sobrepreços afirma existir múltiplas metodologias de precificação, mas que irá analisar o questionamento feito. Que o destino da atual Cia Metrô-DF e de seus funcionários será definido pelo GDF, a partir de uma discussão ampla que envolva todos os interessados e que uma nova data para a concessão à iniciativa privada só será possível após deliberação final da Corte de Contas.