“Perdeu-se a oportunidade de se implementar um mais que necessário sistema cicloviário e de se provocar ao menos um debate para se melhorar o transporte coletivo na avenida. Incrementar apenas estacionamentos equivale a estimular o uso de veículos individuais, o que é contraproducente, inclusive sob o ponto de vista da política nacional de mobilidade urbana, além de perpetuar o tradicionalmente péssimo problema da deficiência do transporte público aqui.”
Por Carlos Frederico Maroja de Medeiros*
A primeira preocupação de qualquer urbanista deveria ser o bem-estar da população. Não é o que acontece por aqui. As ações urbanísticas visam sempre e apenas o atendimento aos interesses dos comerciantes, na insistência de fazer a W.3 voltar a ser um “shopping”, algo que obviamente jamais ocorrerá, especialmente nos dias que correm, em que o comércio passa a ser mais virtual, e as lojas dos shoppings propriamente ditos viram mais propriamente mostruários.
O resultado com o qual convivemos é uma degradação constante que não atende aos próprios comerciantes, nem tampouco aos moradores. As intervenções cosméticas e meias-solas nas calçadas e estacionamentos visaram apenas atender à ilusão dos comerciantes de que, com isso, teriam um chamariz para a clientela.
Sobre a W.3, leia também:
- Terapia urbana na Avenida W.3
- W.3 Sul: por que parou? Parou por quê?
- GDF: Revitalização da W.3 detona patrimônio de meio século de existência
- W.3 Sul: áreas verdes detonadas
O mesmo vale para as intervenções que se promete serem feitas na faixa de residências lindeiras: visarão apenas melhorar as condições para transformar nossas residências em prédios comerciais. Mas ficamos felizes porque melhor esse pouquinho do que nada, não é?
Perdeu-se a oportunidade de se implementar um mais que necessário sistema cicloviário e de se provocar ao menos um debate para se melhorar o transporte coletivo na avenida. Incrementar apenas estacionamentos equivale a estimular o uso de veículos individuais, o que é contraproducente, inclusive sob o ponto de vista da política nacional de mobilidade urbana, além de perpetuar o tradicionalmente péssimo problema da deficiência do transporte público aqui.
Quando quer ir a uma loja de ferragens digamos, na 510, o morador da, digamos, 703 vai de carro, algo que em cidades como Nova York ou Londres seria considerado uma excentricidade, pois pequenos deslocamentos em cidades civilizadas são feitos com conforto e segurança em modais coletivos.
É um ciclo vicioso permanente. A classe média acha que andar de ônibus é “coisa de pobre” e ainda acha que ter carrão é símbolo de status. Daí que os ricos e remediados, que têm mais força política, não usam o transporte público, nem mesmo a prática de caminhar ou pedalar e, por isso mesmo, nunca exigem a melhoria da qualidade de um serviço que é mal prestado desde a inauguração de Brasília.
Todo mundo que tem oportunidade de visitar os centros urbanos dos países ricos fica deslumbrado com os metrôs e ônibus de lá, e com boas razões, já que de fato estão a anos-luz da porcaria que temos aqui. A ninguém ocorre que, se houvesse pressão da sociedade, poderíamos ter algo pelo menos semelhante.
Aqui, nossa comunidade sequer cogita exigir esse tipo de melhoria, apenas aferra-se à exigência de mais e mais asfalto para passar com seus carrões. A abertura da via aos uso dos pedestres nos dias mortos, o Viva W.3, que foi a única iniciativa razoável que vi nos últimos 50 anos, foi detonada pela própria população, que parece considerar que qualidade de vida é ficar enfurnada dentro de automóveis.
Desculpem o pessimismo, mas não vejo nada para comemorar relativamente à W.3.
* Juiz de Direito, titular da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal
O título do excelente artigo já escancara a realidade, a triste realidade. Essa “revitalização” da W3 Sul foi sim ‘UMA OPORTUNIDADE PERDIDA”.
Verdade que foi mais uma oportunidade perdida, dentre muitas que acontecem no governo do DF.
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Grandes verdades. O brasileiro quando vai ao exterior se deslumbra com os VLTs cruzando as cidades e a população andando de bike, com áreas verdes de proteção ambiental ambientado as residências.
Aqui querem tirar as áreas verdes para construir prédios.
Continuaremos atrasados, com ônibus velhos, e carros em alta velocidade pelas ruas. Como seria legal ver essa W3 Norte e Sul, civilizada e humana. Ciclovia e VLT em convivência pacífica e o povo na rua. Será que continuaremos a sonhar?
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E a Biblioteca Demonstrativa? Continua interditada?
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Infelizmente, o brasileiro ainda atua e pensa como em tempos de colônia. Admira-se com o que os países desenvolvidos possuem de melhor, mas acredita de que é situação inalcançável para a colônia. E é por essa mentalidade ausente de perspectivas e consciência cidadã que o país está entregue a surrupiadores contumazes, a governantes amorais. A sociedade silencia diante dos descalabros e ainda expressa contentamento com as migalhas – “melhor pouquinho do que nada, não é?” Chico, o parabenizo pela matéria!
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Sônia, os méritos são para o Juiz Carlos Maroja, autor do texto.
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Excelente matéria. Lucidez no caos!
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