Pelo o que foi aprovado, 44% da unidade de conservação deixarão de existir enquanto unidade de conservação. As entidades signatárias ressaltam que a área a ser extirpada da Flona protege mananciais que abastecem a barragem do Rio Descoberto, responsável pelo abastecimento d’água potável de 70% da população de Brasília.

Por Chico Sant’Anna

Em uma rara demonstração pública de zelo pelo meio-ambiente e contra a expansão urbanística selvagem no Distrito Federal, entidades do ramo imobiliário fizeram publicar em grandes jornais de Brasília uma nota contra a lei que reduz em mais de um terço a Floresta Nacional de Brasília – Flona e pedem o veto presidencial ao projeto de nº 2.776/2020, já aprovado no Congresso Nacional. A proposta legislativa de redução da Flona nasceu, em 2020, nas duas Casas do Legislativo. Com textos equivalentes, o senador Izalci Lucas (PSDB) apresentou o PL 4.379/2020, que foi aprovado em primeiro lugar, com parecer da senadora Leila do Vôlei (PDT), mas tinha como coirmão outro texto com mesmo propósito, apresentado na Câmara dos Deputados, pela deputada Flávia Arruda (PL).

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O projeto que está para sanção é o de Flávia, que ao chegar ao Senado teve como relator Izalci Lucas. O outro projeto ainda tramita na Câmara dos Deputados. Pela similitude dos textos, analistas entendem que os dois parlamentares foram o instrumento de um lobby pra legalizar área grilada na Capital Federal. Os principais responsáveis por essa iniciativa, deputada Flávia Arruda (PL), Izalci Lucas (PSDB) e Leia do Volei não reagiram oficialmente à nota do setor imobiliário do Distrito Federal. Eventualmente, para não desagradar nem os empresários, nem os que moram nas duas ocupações.

O gabinete de Leila do Vôlei se limitou a alegar a versão da qual a agora candidata ao Buriti relatou foi construída com o aval do ICMBio, estabelecia a contrapartida ambiental conforme determina o código florestal e é diferente do projeto de Flávia Arruda. A senadora estava de licença médica e assim não votou o texto da deputada, quando esse passou no Senado. Izalci Lucas decidiu não comentar a nota dos pesos pesados do PIB candango. Pessoas muito próximas a ele chegaram a afirmar que ele nem se deu conta da existência da nota.

Assinam a nota contra a redução da Flona o Sindicato da Indústria da Construção Civil – Sinduscon, a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal – Ademi/DF e o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico do Distrito Federal – Codese/DF. Para as três entidades “além de sacramentar um crime ambiental – validando a invasão por grileiros de terras públicas e a perda em definitivo de 3.600 hectares de floresta – serve de estímulo à indústria de ocupação ilegal de terras.”

As entidades ressaltam ainda que a área a ser extirpada da Flona protege mananciais que abastecem a barragem do Rio Descoberto, responsável pelo abastecimento d’água potável de 70% da população de Brasília e que chegam a se espantar com a forma de como estão sendo legalizadas as ocupações da Colônia Agrícola 26 de Setembro e da Maranata, diante do “tratamento dado aos loteamentos regulares, que chegam a levar 15 anos para atenderem todos os parâmetros urbanísticos, sociais e ambientais além da exigência de que sejam fornecidas as contrapartidas de infraestrutura exigidas pelo Poder Público.”

Para o professor de arquitetura e urbanismo da UnB, Frederico Flósculo, “finalmente parece ter ficado claro que o DF se aproxima perigosamente de um ‘ponto de não retorno’, quanto à capacidade de preservarmos nossas águas, nossa flora e fauna, nosso solo. O fim de nosso futuro em termos de sustentabilidade” e pede que os empresários do setor imobiliário adotem postura do mesmo viés quando da apreciação do novo Plano Diretor do Ordenamento Territorial – Pdot.

Além da desconstituição de duas das quatro áreas da Flona, o governo federal cogita privatizar a sua gestão. Ambientalistas do Psol-DF chegaram a pedir que o Ministério Público Federal impedice a privatização da Floresta Nacional de Brasília (Foto) e o Parque Nacional de Brasília, onde se encontra a Água Mineral.

Flona

A Floresta Nacional de Brasília é constituída por quatro manchas territoriais. Os dois projetos foram propostos em 2020 e tiveram tramitação ultra rápida. O 4.379/2020, de autoria de Izalci, já tinha sido aprovado pelo Senado em Novembro de 2021. Seguiu para a Câmara, onde deveria ter sido acoplado ao de nº 2.776/2020, que já havia sido aprovado três meses antes pela Comissão de Meio-Ambiente da Câmara dos Deputados. Mas isso não aconteceu.

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Se a lei vier a ser sancionada, as áreas 2 e 3 irão deixar de ser unidade de conservação

Pelo o que foi aprovado, a área 2, de 996,47 ha, e a área 3, de 3.071 ha, deixam de existir. Juntas, elas representam 44% da unidade de conservação. São áreas onde a grilagem e a expansão urbana selvagem tomaram conta. A área 2 é próxima à Estrutural e a outra à Barragem do Rio São Bartolomeu. É ali que está a Colônia 26 de Setembro com 40 mil moradores, segundo o GDF. Trata-se do mesmo local em que o então candidato a governador, Ibaneis Rocha (MDB) prometeu, durante a campanha de 2018, construir com recursos próprios casas que haviam sido derrubadas pela Agefis. A assessoria de Izalci justifica que o projeto visava resolver um problema social de grande escala.

O geógrafo Aldo Paviani ressalta que há uma intercorrência das áreas verdes com os lençóis freáticos subterrâneos e que reduzir as áreas verdes é reduzir o potencial hídrico. “Isso pode ser avaliado como crime ambiental e deve ser penalizados pelos órgãos de meio-ambiente distritais e federais” – diz o professor da UnB. Além de agredir os córregos e riachos que alimentam a barragem, a presença de um núcleo habitacional de grandes proporções e sem captação e tratamento de esgoto pode afetar a quantidade e a qualidade da água ali produzida.

A ação de grileiros é uma constante nessa região. Em 2020, a Polícia Civil desarticulou duas organizações criminosas voltadas para o parcelamento irregular de terras na 26 de Setembro. Além de vender terras públicas, os grileiros as comercializavam em duplicidade. A venda desses lotes é bastante lucrativa para a grilagem. Em novembro de 2021, lotes de 400 metros quadros, sobre terra pública, e dotado apenas de um barraco de alvenaria era vendido na internet por R$110 mil.

Se a presidência da República desejar vetar o projeto, há embasamento jurídico para tanto. Juristas ouvidos apontam que o PL “ofende o princípio da vedação ao retrocesso”, também concebido como princípio clicquet. “Uma proteção ambiental não pode ser retirada; só incrementada. A Constituição Federal incumbe aos poderes públicos o dever de preservar os espaços especialmente vocacionados para fins ecológicos, principalmente unidades de conservação (Art.225, parágrafo 1º, inciso VII.