Confira aqui a entrevista do jornalista Chico Sant’Anna, candidato a deputado distrital pelo Psol, às Páginas Azuis da Revista Carta Polis.

Chico Sant’Anna é um carioca de uma geração de pioneiros que chegou bebê em Brasília, em 1958. Morou em acampamentos de obras e cresceu com a cidade, cada ano de vida era um ano de vida para Brasília. Uma pessoa com raízes e vínculos tão fortes que não diz mais ser do Rio de Janeiro, mas sim de Brasília.

Vivenciou todos os momentos da Capital: enterro de Juscelino, chegada dos campeões do Tri, campanha de autonomia política, Diretas Já, Badernaço, Constituinte, Fora Collor.
Aqui fez seus estudos, passando pela Faculdade de Comunicação, onde se graduou e fez seu mestrado, seguindo depois para um Doutorado em Comunicação, na França.
Como Jornalista, pôde acompanhar a maioria desses acontecimentos, como cidadão, esteve presente em quase todos. Presenciou as grandes transformações urbanas do DF: surgimento da Ceilândia, dos Setores O e P, dos assentamentos, da explosão dos condomínios.
Esta relação forte com a cidade, quase uma irmã caçula, é que norteia os compromissos. Compromissos em preservar a cidade, a qualidade de vida dos moradores de todas as cidades do DF.
Compromisso em garantir que as gerações futuras, de minhas filhas e de netos que ainda virão, possam usufruir as qualidades de uma cidade parque. Como pai de três brasilienses, desejo que elas tenham a oportunidade de usufruir de toda a beleza da nossa cidade.
Por isso, esses todos esses compromissos. Compromissos com a mobilidade urbana, com a acessibilidade, com o meio ambiente, com o crescimento econômico sustentável, segurança, saúde e educação pública de qualidade. Compromisso com Brasília, com a Brasília idealizada por JK e executada por Lúcio Costa e Niemeyer.

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CARTA POLIS – Para Sr., qual o maior compromisso da atual geração de cidadãos conscientes de Brasília: defender o projeto original de Lucio Costa ou propor alternativa responsável do plano urbanístico onde caiba um novo modelo de sustentabilidade que não desnorteia o progresso?

CHICO SANT’ANNA – A primeira geração de brasiliense formada pelos Pioneiros que para aqui vieram desbravar o cerrado e construir Brasília, infelizmente está nos deixando. Arquitetos como Lelé Filgueiras, artistas plásticos, como Bianchetti e incluo aqui, engenheiros, como meu pai, Cláudio Sant’Anna.

A eles coube construir e consolidar uma Brasília que sempre foi sinônimo de desenvolvimento, de qualidade de vida, espaços verdes, sem violência, saúde e educação públicas de qualidade. De uns tempos para cá, Brasília vem perdendo esta qualidade de vida. Rotinas comuns, como almoçar em casa, brincar embaixo do bloco, ir a pé ao colégio, já não podem ser mais praticadas. O trânsito e a insegurança não permitem. Vivemos sob a égide do medo, do sequestro relâmpago, da explosão imobiliária, dos puxadinhos e puxadões, dos engarrafamentos.

A segunda geração de cidadãos de Brasília, muitos, que como eu, também chegaram ainda bebê no Planalto Central – antes ou logo após a inauguração da cidade – e outros, que nasceram na cidade, tem agora dar a missão de preservar esta Brasília. Não se trata apenas de preservar um projeto urbanístico e arquitetônico que virou patrimônio mundial da humanidade.

É um desafio maior. Trata-se em preservar a qualidade de vida para as gerações futuras de brasilienses. Isso significa ficar atento às iniciativas governamentais e comerciais que buscam lotear novos espaços no Plano Piloto – como as quadras 500 do Sudoeste e 901 da Asa Norte, previstas no PPCUB.

Brasília carece de políticas que a preservem, a vitalizem e a modernizem. Vitalizar, por exemplo, é recuperar os espaços públicos existentes, os parques, as entre quadras, a Avenida W.3 Sul, as praças das 700, Setor Comercial Sul. Melhorar a iluminação e passeios públicos, garantir a acessibilidade. Modernizar significa implantar equipamentos públicos que garantam igualmente a qualidade de vida e adaptem a cidade ao seu crescimento.

É, por exemplo, investir em Saúde e Educação, ampliar as linhas do metrô e implantar o Veículo Leve sobre Trilhos. É transformar a extinta linha férrea da RFFSA, entre Luziânia e o Plano Piloto, em um trem regional. Tudo isso reduzirá o volume de carros nas ruas, reduzirá a necessidade de se ampliar as rodovias existentes e dispensará a construção de projetos faraônicos como o garajão subterrâneo na Esplanada dos Ministérios.

Preservar representa ações que garantam a idéia a concepção de Brasília. A geração que ai está, a minha geração, tem o compromisso e o dever de proteger esta cidade. Evitar que ela se transforme numa nova Paulicéia. Estudos acadêmicos e oficiais apontam que muito em greve, 100% das artérias rodoviárias estarão 100% saturadas em decorrência de uma população que chegará a 6 milhões de pessoas na chamada grande Brasília (De Unaí a Luziânia, de Formosa a Alexânia).

CARTA POLIS – O que precisa acontecer em Brasília, no conjunto de sua sociedade, para se contrapor aos movimentos alterar o projeto urbanísticos original de nossa Capital?

CHICO SANT’ANNA – A sociedade de Brasília vem se articulando e pressionando o Governo do Distrito Federal para que este deixe de propor projetos, eu diria, malucos e que só atendem à indústria imobiliária. Lembremos que as mudanças propostas pelo GDF não se limitam ao Plano Piloto. A Leis de Uso e Ocupação do Solo – LUOS altera gabaritos, destinação e uso de várias áreas em todo o DF, transformando muitas áreas verdes em lotes.

Os alargamentos de vias, como a EPTG e EPIA, afetaram diretamente o cotidiano de moradores de Vicente Pires e do Park Way.

Peguemos a proposta da nova cidade, apelidada de OKlândia, que se estenderá de Santa Maria a São Sebastião, para abriga um milhão de habitantes, – passando por de trás do Park Way e do Lago Sul. O projeto além de induzir ao inchaço urbano, agride diretamente as últimas nascentes de água potável do DF, como o Tororó e Saia Velha. Além disso, resultará na expulsão de produtores rurais que abastecem a cidade de hortigranjeiros, inflacionando a feira de cada dia.

Não se prevê novas opções de mobilidade urbana. As vias a serem utilizadas são as já inchadas EPIA e a Ponte JK.

Para o GDF, IPTU é uma grande fonte de renda, então, quanto mais prédios e quantos mais prédios com mais andares e apartamentos forem possíveis, melhor será para o caixa oficial.

A sociedade, então, precisa estar atenta e participativa. Pois, mesmo que um projeto desse porte seja feito do outro lado do Distrito Federal, ele traz consequências para todos. As eleições de outubro são uma grande oportunidade para que o brasiliense apure melhor suas escolhas e evite nomes que representem a perda da qualidade de vida em Brasília.

CARTA POLIS – Na questão específica da CIDADE AEROPORTUÁRIA essa agressão ao projeto de um bairro auto-definido deve ser forjado na sua comunidade que tipo de conscientização e engajamento?

CHICO SANT’ANNA – Nós temos, na verdade, duas propostas de cidade aeroportuária. A primeira delas é decorrente da privatização do Aeroporto JK. A nova concessionária já anunciou que irá ampliar a ocupação e urbanização da área destinada ao aeroporto.

Inicialmente, um conjunto de prédios comerciais será erguido para abrigar servidores da Infraero – hoje lotados no Setor Comercial Sul e no Rio de Janeiro – e mais uma série de servidores de outros organismos gestores da aviação, que ainda estão no Rio de Janeiro. Só esses servidores, segundo a Inframérica, representariam um quantitativo de mais 10 mil pessoas com presença fixa na chamada Cidade do Aeroporto.

Gente se deslocando em seus carros particulares, já que o VLT não saiu do papel. O trânsito no Balão do Aeroporto tende a aumentar. Cogita-se, ainda, em um novo hotel, já que o recém-inaugurado já esgotou sua capacidade de hospedagem. Este hotel pode ser um apart-hotel, abrindo espaço para mais habitantes permanentes. Há ainda informações sobre um centro comercial, com lanchonetes e outros estabelecimentos comerciais para atender a nova população. Tudo isso, ficaria por de trás da área ocupada pelas concessionárias de veículos.

A expansão desta cidade do aeroporto não está clara, mas deixa a entender que se dará ocupando um espaço entre as atuais concessionárias e a nova pista de pouso do aeroporto e em direção aos fundos da Quadra 14 do Park Way. Há a possibilidade da abertura de um acesso paralelo à Quadra 14, jogando um fluxo de veículos incompatível com a via local.

Reuniões preliminares como moradores do Park Way foram realizadas. Eles pediram os relatórios de impacto ambiental, no trânsito e reflexos na vizinhança. Nada disso foi entregue e uma audiência pública prevista para acontecer foi desmarcada.

Assim, moradores do Park Way e do Lago Sul se mostram preocupados com os reflexos do que esta cidade do aeroporto pode gerar. Além do trânsito que passa pelo Balão do Aeroporto há a preocupação com o aumento e o horário dos pousos e decolagens de aeronaves, promovendo uma poluição sonora na vizinhança, que inclui o Núcleo Bandeirante e a Vila Telebrasília, segundo a própria InfraAmérica.

A segunda cidade aeroportuária está entre as encomendas que o governador Agnelo Queiroz fez sem licitação à empresa de Singapura, Jurong. Não tenho detalhes precisos, mas o projeto implicaria na construção de um aeroporto de cargas na região entre Planaltina e Formosa. Em torno deste aeroporto, seria construída uma cidade nos moldes do que Lúcio Costa pensou para o Setor de Indústrias e Abastecimento – SIA. Galpões, fábricas, armazéns e é claro, vários edifícios residenciais.

É preciso analisar o impacto ambiental que irá provocar, já que lá é um cinturão verde do DF. Além das questões ambientais, existem vários questionamentos em relação a este projeto: despejo de produtores rurais, proximidade com o campo de provas de artilharia antiaérea do Exército, dentre outras. Mas a atual administração do GDF parece estar decidia em levar à frente o empreendimento.

CARTA POLIS – .Para o  Sr., Brasília  deve ser uma cidade administrativa exclusiva, abrindo espaço institucional para a criação de um Estado limítrofe para abrigar as cidades-satélite? No caso de não apoiar a ideia: por que não apoia?

CHICO SANT’ANNA – Penso que o lado institucional, a Brasília cidade administrativa exclusiva, se esgotou. É claro que os governos federais e distritais sempre terão um peso importante na economia local – hoje estimado entre 30e 40% -, mas outras opções devem ser buscadas.

Governos passados pensaram em industrializar a cidade. Lotes foram distribuídos a pequenos e grandes empresários. O modelo não me parece ter dado resultado. O desemprego há anos gira próximo dos 200 mil brasilienses.

Brasília tem que se espelhar em cidades como Paris e Washington. Investir na economia sustentável. Produção de conhecimento, turismo e cultura são as melhores opções. Temos uma elevada concentração de produtores culturais – artistas, jornalistas, cineastas, vídeo makers, produtores de vídeo games, escritores – a cidade poderia ser um polo de produtos culturais, se aqui houvesse uma política editorial pública.

O Pólo de Cinema está abandonado. Museus e bibliotecas caindo aos pedaços. Nos cofres do Banco Central existe o melhor acervo de Portinari do Mundo, apreendido de banqueiros falidos. Por que não temos um Museu Portinari em Brasília? Por que não criar o Museu do Homem Brasileiro, idealizado por Darcy Ribeiro? Por que não se criar um aquário com a fauna e a flora aquática do Centro-Oeste e da Amazônia?

Mais espaços culturais, bibliotecas, museus, galerias, teatros, etc., gerariam mais empregos, renda, atrairia mais turistas e os reteria por mais tempo em Brasília.

Temos que ser um polo de turismo nacional e local. Ele assegura o desenvolvimento sustentável. A cidade está no centro da América do Sul e pode se transformar num importante hub (base de conexões aéreas) para todo o Brasil e países vizinhos. É preciso criar estímulos para que haja mais vôos diretos chegando e saindo de Brasília.

Há ainda o turismo científico–educacional. A cidade precisa reunir suas faculdades, públicas e privadas, e criar os chamados Summers Courses – cursos de verão, ou de inverno, parecidos com o que a Escola de Música faz. Universitários e pesquisadores do mundo inteiro seriam atraídos para cursos de curta duração, como faz Essex, na Inglaterra.

Muitas cidades do mundo, como Ouro Preto, vivem da receita deixada por turistas e por estudantes. Eles consomem, alugam moradias, freqüentam bares, restaurantes, eles movem a economia da cidade.

Falando em Educação, já passou da hora do Distrito Federal ter a sua universidade pública. A exemplo da Faculdade de Saúde, que surgiu das estruturas da extinta Fundação Hospitalar, outras faculdades podem nascer de outras áreas do GDF: secretarias de Educação, de Agricultura, do Jardim Zoológico, do Jardim Botânico, da TCB, da Companhia do Metrô, da Novacap. Cursos e pesquisas associados às principais necessidades do Distrito Federal.

Brasília não possui nem espaço nem água potável para abrigar indústrias. A especulação imobiliária precisa ser freada. Nosso crescimento deve se basear na produção de conhecimentos, de idéias: informática, biotecnologia, nanotecnologia, etc.

Todos os anos, jovens formados na Capital são obrigados a buscar empregos em outras paradas. Está na hora de isso mudar!

CARTA POLIS- Por onde deverá ser criada uma mentalidade preservacionista em Brasília: pelas leis, pelos exemplos ou pelas atitudes da sociedade?

CHICO SANT’ANNA – Inicialmente, pela Educação. Hoje poucas crianças conhecem sequer o Hino de sua cidade, muito menos a história dela e o que ela representou para os brasileiros. Sem amor à cidade, não haverá preservação de Brasília.

As novas gerações precisam entender o valor de se ter um céu com ar puro, uma área verde, de parar na faixa, do que representa, em termos de qualidade de vida, morar num espaço organizado em forma de Super Quadra. O que isso representa, por exemplo, para a saúde de todos nós, para a uma vida mais longa e de melhor qualidade dos brasilienses.

É claro que leis serão necessárias, para evitar que algum aventureiro lance mão – como muitos estão fazendo. O amor por Brasília deve se traduzir em atitudes da sociedade e em marcos jurídicos. Temos que reagir às agressões que sofremos, ficar vigilantes contra os desmandos que presenciamos. O brasiliense sempre foi um cidadão consciente, senhor de suas responsabilidades político e sociais, sempre brigou pelo seu bem estar. Não pode abandonar isso, agora.

CARTA POLIS – O que o Sr. acha da instituição de um currículo para escolar para o ensino fundamental com a cadeira da PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE para a formação das futuras gerações? 

CHICO SANT’ANNA – Creio que nossas escolas precisam agregar às grades escolares conteúdos como Cidadania, Direitos e Obrigações Sociais, Sustentabilidade. Nossa juventude sabe pouco da responsabilidade, dos direitos e da responsabilidade que possui.

A formação para a cidadania passa por ensinamentos deste tipo. Vou além. Defendo que a formação dos motoristas, a Auto-Escola, seja tarefa da Escola. Temos que ter uma educação de qualidade para o trânsito e não uma decoreba de regras e códigos como acontece hoje.

Em países como nos Estados Unidos, educação para o trânsito é disciplina que reprova o aluno se ele não aprender direito. Por outro lado, ao formamos motoristas nas escolas públicas de ensino médio, estaremos propiciando uma condição diferenciada para que os estudantes enfrentem a vida.

Com os custos das auto-escolas, é cada vez maior o número de jovens que simplesmente ignoram a necessidade de uma carteira de habilitação. Portanto, para mim, Auto-Escola é na Escola.

CARTA POLIS – Qual é o papel da informação virtual, impressa e eletrônica para cimentar uma consciência ativa?

CHICO SANT’ANNA – A imprensa tradicional de Brasília, seja por conta dos interesses econômicos, seja por deficiência estrutural ou miopia editorial, tem priorizado a Esplanada dos Ministérios e esquecido os demais espaços do Distrito Federal.

Desta forma, as redes sociais, blogs, webimprensa vem suprindo uma grande lacuna. É nas redes sociais que o brasiliense tem se informado sobre os fatos locais, sobre os fatos comunitários, aqueles quase sempre desprezados pela imprensa tradicional.

Estas novas mídias enfrentam um processo de consolidação, fidelização de leitores e construção de credibilidade. Infelizmente, algumas delas são criadas para fomentar o boato, o balão de ensaio. Se não houver sensibilidade e percepção dos grandes veículos locais, eles tenderão a perder paulatinamente o seu espaço, podendo até desaparecer, como já aconteceu com várias mídias impressas.

Por isso, o Distrito Federal precisa pensar numa política pública de incentivo e fomento a produção midiática e também de conteúdos – filmes, livros, programas, vídeos. A cidade tem o principal, que é a mão-de-obra qualificada.

CARTA POLIS – Qual será a base da mudança de atitudes: a mídia, as ruas, a via política, o segmento empresarial, os movimentos sociais ou as organizações intermediárias?

CHICO SANT’ANNA – As mudanças já estão acontecendo As manifestações de junho de 2013, o surgimento de mídias ninjas, os novos valores, paradigmas de organização político social, tudo isso já está em curso.

Cada vez mais o cidadão busca uma democracia direta e participativa. Quer atuar diretamente, como acontece na Califórnia ou na Suíça, na tomada de decisões. Constrói-se hospital, ou estádio? Implanta-se um sistema de mobilidade com base em ônibus ou sobre trilhos?

As novas tecnologias facilitaram esta tomada de decisão. O poder público tem que estar atento aos novos anseios, caso contrário será atropelado por eles.

CARTA POLIS – Qual a sua receita para ser seguida pelos candidatos a Govenador do Distrito Federal?

CHICO SANT’ANNA – Em primeiro lugar, é necessário ter amor por Brasília e não vê-la como a galinha dos ovos de ouro. Depois, é importante ter em mente que se governa para a sociedade e não para os grupos econômicos.

É preciso conhecer a cidade, suas necessidades, seus anseios. Possuir um canal direto com as pessoas. Às vezes as soluções são bem mais simples do que se parece. Às vezes, o simples na visão do GDF vira o faraônico. O brasiliense quer coisa simples, quer qualidade de vida.

É preciso criar os mecanismos de consulta à sociedade e não ficar trancado nos gabinetes envidraçados do Buriti, ouvindo apenas os lobistas.